quinta-feira, março 28 2024

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Aqui eles são livres… Sob o meu controle.” Se ainda havia alguma dúvida sobre a natureza vilanesca de Robert Ford na trama, esse sétimo e impressionante episódio de Westworld certamente a dissipou. Com Anthony Hopkins numa atuação que nos remete àquela de Hannibal Lecter no Silêncio dos Inocentes, seu personagem finalmente abraça a porção megalomaníaca que até então a série “apenas” sugeria. No parque, Ford é ao mesmo tempo deus e o diabo, o que cria e o que destroi e como tal mexe as peças do tabuleiro imaginário de um jogo onde a vida alheia (seja de uma coisa ou de um humano) não serve mais do que um meio… para se construir uma narrativa nova.

E se a expressão Trompe L’Oeil (o título do episódio) remete à ideia de um truque de perspectiva que cria a ilusão que inicialmente nos faz ver uma coisa que na verdade é outra, a revelação sobre Bernard nem choca tanto pelo evidente plot twist que representa (e que já especulávamos aqui), mas mais pela forma com que ocorre. Afinal, se a vida dos anfitriões do parque refletem loops que invariavelmente trarão rotinas e sofrimentos como elementos, a de Bernard ganha tons ainda mais duros, visto que, diferente dos demais, a ele Ford deu alguns “bônus” a mais como achar que é realmente humano, ter consciência e sonhar/lembrar da perda de um filho que ele sequer teve, o que só reafirma quão cruel Ford de fato é. E olha que estamos falando do cara que decidiu dar a seu pai robô a característica de alcóolatra apenas para torná-lo mais autêntico.

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A propósito, se Hopkins merece aplausos pela forma com que transformou progressivamente seu Robert Ford numa figura extremamente amedrontadora e ameaçadora sem jamais ter elevado sua voz ou feito uso de qualquer arma, Jeffrey Wright conferiu uma humanidade genuína a Bernard mostrado sempre como um sujeito metódico, mas igualmente curioso e assombrado por uma memória que agora sabemos ter sido apenas implantada em seu código de programação. Aliás, analisando em retrospecto, é curioso notar como desde os primeiros episódios, Bernard já era usado por Ford para obter todas as informações que pudesse sobre Theresa Cullen. Lembra, por exemplo, quando Bernard fez um comentário lá atrás sobre as expressões faciais e o comportamento de sua então amante? Pois é, e considerando que havia um novo robô sendo impresso naquela sala onde Theresa foi morta, já podemos até imaginar o que virá pela frente, certo?

Especulação sobre o futuro da personagem à parte, a sequência da revelação de que Bernard é um anfitrião nos leva à outras questões: existem outros como ele no staff da Delos? Seria o próprio Bernard uma cópia de Arnold que Ford pensou ter matado (usando Dolores), talvez? E se sim, dá para pensar até que aquelas cenas que mostram Bernard conversando e analisando Dolores, ocorrem não no presente, mas sim no passado, e que portanto aquele não era Bernard, mas sim o próprio Arnold dando os primeiros passos para despertar a sentiência da anfitriã mais antiga, não é mesmo?

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Num episódio que nos deu várias dicas para onde a trama estava caminhando – primeiro quando foi revelado que um membro do time de segurança da Delos era um anfitrião programado para achar que era humano, e depois, claro, quando Bernard não viu a porta que estava bem do seu lado na casa, uma outra bem notável e que pode suportar a ideia de que Bernard é uma cópia de Arnold surge quando percebemos que a câmera que mostrava a perspectiva de Theresa olhando aqueles blueprints do pequeno Robert Ford e de Dolores, escondeu (propositalmente?) a parte do desenho de Bernard que mostrava o nome daquele design.

Aliás, se formos um pouquinho além nessa brincadeira de juntar peças, que tal lembrar daquela foto que Ford mostrou a Bernard no terceiro episódio (e que nós vimos sob a perspectiva desse, vale lembrar) indicando que o homem ao seu lado seria Arnold? Como vimos que aquele homem da foto muito provavelmente era o pai de Ford – afinal, o robô da casa é igual a ele -, dá para considerar que havia mais alguém do lado de Ford na foto. E como nada é o que parece, imaginar que Bernard simplesmente não podia enxergar o verdadeiro Arnold na foto já nem seria tão absurdo assim à essa altura, certo?

Seja lá qual for a revelação que surja sobre a identidade de Arnold (já que é certo que ele continua ativo de alguma forma no “presente” da história), o outro grande momento relativo à virada envolvendo Bernard veio, claro, com a morte de Theresa. Não sei vocês, mas particularmente nunca tive muito empatia pela personagem. Contudo, me senti genuinamente comovido com seu destino ali. E aqui o mérito vai todo para a direção da cena conduzida de forma tensa pela conversa que Theresa estabelece com Ford e principalmente pela maneira como ela reage à revelação sobre Bernard.

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Não raro, cenas de mortes como essa – precedidas por uma revelação surpreendente (sob o ponto de vista da vítima, pelo menos) – incluem gritos histéricos e, às vezes, até um embate corporal. No caso dela, o trauma e sobretudo o sentimento de descrença de ver como foi manipulada por Ford fizeram com que sua reação se resumisse praticamente no “não!” abafado e enfraquecido de alguém que sabia que iria morrer em segundos. E nesse sentido, é impressionante como uma morte numa obra de ficção não precisa ser gráfica para ser perturbadora, já que, no caso dela, o choque de saber que seria morta pelo mesmo cara que até então a tratava com delicadeza e afeto, representava o sentimento de traição máxima e desesperança completa.

Esperança, aliás, é uma palavra que define o momento de Maeve na trama. Impressiona como a personagem, graças à interpretação marcante e repleta de sutilezas da excelente Thandie Newton, vem roubando cada uma das cenas em que aparece na série. Seja quando deixa claro para Sylvester que nada a impedirá de tentar sair do parque (“Você acha que eu tenho medo da morte… Já fiz isso milhares de vezes e sou boa para cacete nisso. E você, quantas vezes já morreu?”) ou quando demonstra, pós alteração comportamental, que não só parece imune aos comandos da programação, mas também que está desenvolvendo a empatia (talvez o traço que mais nos defina como humanos), primeiro quando sente pena de ver Clementine falando sobre seus sonhos de mudar de vida e depois quando vai atrás para ver o que o staff da Delos iria fazer com ela.

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E por último, mas não menos importante, destaco a leve acelerada que a trama envolvendo Dolores e William ganhou. Além de nos dar uma ideia ainda mais clara sobre a dimensão daquele parque (em entrevista, Jonathan Nolan falou numa área de 500 milhas quadradas que daria algo em torno de 1295 km quadrados ou algo maior que a região sudeste toda!!!), o episódio me fez achar ainda mais que aquilo ocorre no passado e que William é o Homem de preto mais jovem já que faz questão de mostrar o rapaz abraçando seu fascínio pelo lugar e agora, claro, por Dolores (justamente duas coisas que o HdP tem). E se é óbvio que o desenho dela reflete a lembrança de um lugar onde já esteve antes (será que foi lá que Arnold “morreu”?), a promessa de que que os três episódios finais trarão muitas respostas além de novas perguntas parece inevitável.

Mas agora aquele perguntinha básica: estão curtindo Westworld tanto quanto eu?5stars

22 comments

  1. Davi, ótima review! Sério, estive esperando, já que com certeza, essa é a melhor estreia desta temporada. Que série fascinante. Concordo com você em todas as teorias. A do Bernard, mesmo já esperando, foi maravilhosa de assistir. :D

  2. Que isso. Lendo essa crítica. Refletindo sobre os episódios e pensando no rumo que a série pode tomar. Foda muito foda a série.
    Não é uma série que pega fácil o telespectador comum. Isso pode ser um problema. Já que se a audiência não crescer a série pode ser cancelada.
    Espero que isso não aconteça. Ótima série e ótima crítica.

  3. Uma dúvida: será q temos duas histórias de Wiliam novo ocorrendo? No 3º episódio o seu cunhado diz que ele já está casado há um ano, no ultimo episódio (7o) ele diz a Dolores que ainda vai se casar. Isso não fez mto sentido para mim, mas é uma possibilidade. Ou ele mentiu para Dolores, ou erro de roteiro, ou duas histórias com ele novo….

  4. Estou adorando a série, uma das melhores coisas que já assiste, gosto de série assim que quando termina o episodio faz vc pensar em teorias e o que vai acontecer daqui pra frente, ótimo texto.

  5. erro não creio e um show feras
    frente e traz das câmeras

  6. no momento nada se iguala a WW
    GOT TWD são fodas
    Mas nenhuma tem a proeza de vc fz maquinar
    e perde o sono kkk
    Boa critica
    a porta Eu percebi
    mt legal saber q estou fk esperto neste mundo das Serie

  7. Só uma dúvida: os anfitriões não são impedidos de matar os humanos? Ou até isso o Ford pode mudar na programação?

  8. Ótima crítica, de verdade! Mas tem demorado muito pra sair.

  9. O olhar da morte do Robert Ford quando demitem o Bernard foi de arrepiar a espinha!

  10. Como sempre ótima review. Vou até voltar a assisti o episódio novamente sob esta sua perspectiva.

  11. Ou o Bernard robô pode ser uma cópia do Bernard humano (tal qual estão especulando que o Robert fará com a Theresa)
    A mulher dele, a Gina Torres, deve existir de verdade, a história do filho pode ser verdadeira também. Só acho que o Bernard foi morto e substituído por um host.

  12. Bom, já temos a segunda temporada garantida pois a HBO já anunciou sobre a renovação.

  13. Sim, porém ao que tudo indica, o Ford é como um Admin com permissões máximas no sistema (podendo até ordenar que anfitriões matem humanos), tanto é que ele pode parar um cenário inteiro só com um simples gesto de mão.
    Mas será que isso também se aplica a Maeve agora, ou ela conseguiu “fugir” de todo e qualquer controle?

  14. Acho bem provável o homem de preto ser o Will no futuro. O único fato que ainda me causa insegurança em relação a essa teoria é um diálogo entre o homem de preto e o Teddy no ep 5, onde ele diz que em sua primeira experiência no parque ficou fascinado com a mecânica intrincada dos primeiros anfitriões, pela sua complexidade construtiva (eles eram mecanismos robóticos não orgânicos), e que os novos modelos perderam essa magia. Porém, na linha do tempo do William, vemos que os anfitriões já são “orgânicos”, em sua primeira visita. Não estou certo, mas me parece que o MIB passou a visitar o parque antes do que o Will.

  15. Acho que foi por isso que o “pai robô” do Ford não obedeceu ao Bernard e quase o atacou, sendo Bernard um anfitrião também..

  16. Pensei nisso tb, mas acho que o fato do Logan dizer que afinal eles já estavam casados é provavelmente que eles já morariam juntos e agora iriam selar o matrimonio formalmente, por isso o William diria pra Dolores que quando voltasse iria se casar. Ele já vive com uma mulher há um tempo mas agora está na dúvida se quer ou não continuar com ela quando voltar.

  17. Estou adorando a série , pra mim uma das melhores series da atualidade , mas estou começando a querer algumas respostas e conclusões, acredito muito no diferencial da série mas não quero viver um “Dude we are Lost ” novamente rsrsrs . (PS : Mesmo com todos os defeitos Lost é a melhor série de todos os tempos ever !!!! )

  18. Cara ainda tenho que voltar no outro episódio pra ver se aquela porta tá lá quando o Bernard vai lá no setor 17 sozinho… .pq eu tb não lembro de ter visto ela!!!
    Não vi vc comentando aqui Davi, mas deve ter escrito fora de uma critica, que o Bernard Lowe tb pode ser o anagrama de Arnold Weber… isso me faz pensar se talvez o Arnold não teria conseguido migrar sua mente pro corpo do Bernard e agora está zuando com a cara do Ford e preparando um motim através das conversas com a Dolores (que pra mim não ocorrem na mesma linha temporal dos acontecimentos). Reparou que a sala em que eles ocnversam se parece muito com a sala em que a Theresa morreu? Com exceção da “Impressora 3D de Hosts”. Ela tb me remete ao calabouço final do filme, onde o cara que sobrevive encontra uma mulher amarrada e tenta dar água pra ela.

    Agora sobre o HdP e o William, eu tb acreditei que seriam a mesma pessoa, mas não mais visto que isso pode estar mesmo se passando na mesma linha temporal (tenho umas teorias, mas tenho só uma dúvida sobre o El Lazo que espero que os últimos 3 episódios elucidem isso). Em determinado momento o Logan diz pro Wiliam que a empresa deles tb tem parte de participação no Parque, e que inclusive deveria ser maior (fazendo o William questionar se estavam ali à trabalho). Em outro momento o HdP é interpelado por outros guests sobre sua bondade em ter ajudado a irmã de um deles, o que me faz pensar que ele tb é um homem de negócios… não seria o HdP o verdadeiro presidente da empresa do Logan e talvez seu pai e sogro do William?(veja que o Logan tem todo jeito de filho de papai enquanto o William é o humilde plebeu que se uniu a realeza) Ele pode inclusive ser parte do Board que a Thereza tanto falava. Lembrando que a Delos não é dona criadora do parque… em algum momento o Ford vendeu a empresa pro grupo Delos e permaneceu como CEO.

  19. Série incrível e essa review só faz enaltecer esse roteiro brilhante. Só tem uma coisa que não entra na minha cabeça: aqueles dois caras se sujeitarem a Maeve. Por que, por exemplo, deixaram ela aumentar a própria inteligência? Por que não simplesmente abaixam agora? Ela ter poder sobre eles pra mim simplesmente não faz sentido.

  20. Impressionante o nível que essa série está atingindo a cada episódio que passa… Westworld vem mostrar como se faz um seriado com um roteiro realmente denso e cheio de questões importantes e necessárias a serem discutidas…

    A proposta da discussão da natureza humana tendo como pano de fundo e personagens principais exatamente seres que não são humanos é algo simplesmente fantástico.

    Há muito que não víamos um seriado com esse nível de qualidade no texto.

  21. Você manda muito bem na análise dos episódios! Parabéns.

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