quinta-feira, abril 18 2024

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2016 certamente foi um ano rico pro Cinema que viu muitos bons filmes chegando às telas, mas o melhor e mais impactante deles, na minha humilde opinião, chegou na última semana às salas do Brasil. Falo da produção baseada no conto chamado “História da Sua Vida” de Ted Chiang, A Chegada (Arrival, leia a crítica), novo filme de Denis Villeneuve dos ótimos Incêndios, Os Suspeitos e O Homem Duplicado. Protagonizado por Amy Adams (num dos grandes papéis de sua carreira), o filme é uma obra de ficção poderosa e belíssima sobre o poder da linguagem e como seu pleno entendimento pode mudar nossa percepção sobre o mundo, as escolhas que fazemos durante a vida (e consequentemente como usamos nosso livre arbítrio) e os relacionamentos que construímos ao longo dela. Com uma narrativa que foge do lugar comum, A Chegada oferece para o espectador (além de belíssimas passagens visualmente impactantes) um bem-vindo desafio sintetizado não apenas por sua montagem, mas sobretudo pelas boas perguntas que vai deixando ao longo da projeção e que quando discutidas e esclarecidas, como fez o Cinemablend, ajudam a explicar porque esse foi um dos melhores filmes (senão o melhor) do ano.

Os paragráfos a seguir contém SPOILERS do filme, portanto não leia se você ainda não assistiu.

Qual é o real propósito dos alienígenas?

Ao que parece, os alienígenas vieram para o nosso planeta a fim de nos ensinar como entender o heptapod, que é a linguagem circular e o método de comunicação que usam. E eles tinham uma razão importante para isso. Saber ler e falar o heptapod significa ser capaz de enxergar a vida inteira de alguém do início ao fim. Assim, os alienígenas, através do uso de sua língua, são capazes de mudar nossas percepções sobre o tempo (porque tanto o passado quanto o futuro podem, essencialmente, ser vistos conjuntamente). E no futuro – tipo, uns 3000 anos no futuro – esses mesmos alienígenas vão precisar da ajuda da humanidade por alguma razão não determinada. Entender o heptapod, portanto, é a ferramenta, a “arma” que os alienígenas estão tentando dividir com a humanidade porque eles sabem que vão precisar da nossa ajuda mais tarde.

Como a linguagem dos alienígenas funciona?

Segundo Eric Heisserer, roteirista do filme, a linguagem heptapod sempre foi o elemento mais complicado da história a ser construído. Por isso, optar por uma imagem circular foi a escolha que fizeram porque ela resume bem a ideia de que o tempo e a comunicação eram um loop e que você não precisa esperar a formação de certas palavras para ser capaz de terminar uma sentença ou um pensamento. Quando os alienígenas – apelidados de Abbot e Costello – se comunicam com os personagens de Amy Adams e Jeremy Renner no filme, eles estabelecem uma “conversa” circular e ao entender como traduzir aquilo significava entender como ela funciona. No fim do filme, descobrimos que o heptapod eventualmente se torna a linguagem universal do nosso planeta e que Louise (Amy Adams) se tornou a principal instrutora dessa linguagem o que ajuda a explicar a resposta para a próxima pergunta.

Como Louise vê o futuro?

É aqui que o conceito do filme fica realmente interessante. Traduzir o heptapod não significa simplesmente “ver” o futuro, mas sim entender completamente o que já aconteceu na sua vida assim como o que ainda vai acontecer. Você se “lembra” de coisas que uma vez “esqueceu”, porque você na verdade não tinha conhecimento delas num primeiro momento. Elas são memórias de eventos que ainda não aconteceram e A Chegada nos mostrava tudo o tempo todo através dos “flashbacks” envolvendo a filha de Louise, Hannah. Quer dizer, ao longo do filme você acredita que aqueles são flashbacks e que Louise estava encarando a perda da filha quando os alienígenas chegam, mas o que se descobre depois é que Hannah nasceu e eventualmente morreu num futuro que ainda não havia ocorrido… mas que era umque Louise podia “ver” e entender porque agora era capaz de traduzir o heptapod. E é esse o poder que o entendimento da linguagem alienígena ali dá: ser capaz de enxergar toda sua trajetória de vida do início ao fim de forma imediata. Portanto Louise sabe o que vai acontecer na vida dela e entender isso é crucial para entender o próximo ponto.

O que aconteceu com o general chinês?

Essa talvez seja a parte mais confusa da trama, já que o ponto central aqui é saber que você precisa ter uma informação específica na SUA própria trajetória existencial para que o que aconteceu entre Louise e o general chinês faça sentido. No presente da história, a China é o país que decidiu atacar as naves alienígenas. Louise quer impedí-los, mas não sabe como. Contudo, a partir do momento em que ela ganha compreensão sobre como funciona a linguagem heptapod,  ela ganha então a percepção do que aconteceria em seu futuro. Nele, ela se vê indo a uma festa 18 meses após o primeiro contato com os alienígenas. O planeta não acabou e ela se encontra com o general Shang que a agradece por tê-lo convencido a parar o ataque além de dar a ela seu telefone e dividir quais foram as últimas palavras de sua falecida esposa. Ele compreende que na trajetória DELE, dividir essa informação seria crucial para que Louise fosse capaz de fazê-lo mudar de ideia no passado. Contudo, a Louise do futuro não pode dividir essa informação com a do presente até que o futuro Shang divida-a com ela na festa. Uma vez dividida, a informação passa a fazer parte da trajetória existencial de Louise e ela pode então fazer uso da mesma quando necessário. Que é exatamente o que ela faz na cena do bunker para convencer Shang a cancelar o ataque chinês.

Por que Louise ainda decide ter a filha?

Aqui é justamente a parte em que o fator humano e emocional do filme ganha peso. Um grande montante de A Chegada se foca em como um ser humano iria reagir e processar a experiência absolutamente singular do primeiro contato. E nesse sentido, Denis Villeneuve e o roteirista Eric Heisserer são bastante eficientes (auxiliados, claro, pelo bom elenco). A partir do momento em que a mecânica do heptapod é apresentada, o filme começa a fazer perguntas mais difíceis sobre como alguém passaria a viver quando dominasse aquela linguagem. Especificamente, se Louise sabe que a filha que eventualmente terá vai morrer, ela ainda iria querer ter a filha? Como fica claro, Louise decide que sim, porque o momentos de alegria e felicidade que teria com Hannah superam em muito as dores que ela experimentaria ao perdê-la. Como dizia o poeta Alfred Lord Tennyson, “é melhor ter amado e perdido esse amor do que nunca ter amado.”

5 comments

  1. Vou mais longe:
    ” Especificamente, se Louise sabe que a filha que eventualmente terá vai morrer, ela ainda iria querer ter a filha? Como fica claro, Louise decide que sim, porque o momentos de alegria e felicidade que teria com Hannah superam em muito as dores que ela experimentaria ao perdê-la. ”

    Não só isso mas a concepção de Tempo é diferente para Louise no final. Não há passado presente e futuro , tudo acontece e aconteceu ao mesmo tempo. Portanto Louise nao escolhe ter uma filha sabendo que vai perde-la, ela escolhe ter uma filha eternamente pois tendo a sua visão de tempo , e tendo o controle total disso , ela “vive” com sua filha sempre que ela desejar.
    Lembra um pouco o filme “About Time” onde o protagonista revive momentos com o Pai dele sempre que ele desejava até o momento que ele nao pode mais.

  2. Ainda vou ver mais alguns filmes no cinema esse ano, mas até o momento A Chegada foi o melhor que assisti em 2016.

  3. Veja bem, no filme A Chegada, a minha teoria, é que na verdade Louise não vê o futuro, mas as possibilidades do futuro, a física quântica explica, pois no momento em que ela decide ter a filha, ela sabia que isso estava ligado ao futuro que ela esperava, um futuro áureo para a humanidade, então dentro das possibilidades ela escolheu a melhor para a humanidade. Mas JOARI ver as possibilidades do futuro não é ver o futuro? É, mas ter a capacidade de escolher o futuro desejado é outra coisa. Veja que ela poderia muito bem não ter dito as palavras a Shang, ali ela tomou do seu livre arbítrio e aceitou as consequências da morte da filha. Shang por sua vez também no futuro hipotético a convenceu, ou seja, ali ele não fazia parte do futuro que ela esperava, na verdade ele interagiu para chegar aquela realidade.
    Outro ponto que colabora com essa teoria das diversas realidades possíveis é a que quando o heptapode jogou aqueles milhões informações (círculos) o físico fala sobre milhões de palavras fazendo referência a tempo e que elas não se completavam, fala em velocidade da luz que também é uma referência a compreendermos o tempo de outra maneira.

    Sim, o Shang também obteve assim como a Louise a arma (o conhecimento da linguagem – Sapir-Whorf) que serviria para gerar o conhecimento necessário para entendermos o tempo/espaço.

    O que os alienígenas transmitiram aos 12 lugares onde as conchas pousaram foi o conhecimento para que o mundo pudesse se entender e ter uma unidade, acho que isso já é coisa da ONU, tanto que no final eles aparecem em uma reunião lá.

    Esse negócio de o título A Chegada remeter a chegada da filha de Louise não cola, o título do livro era outro, resolveram mudar por questões comerciais.

    No final o que as personagens obtiveram foi a Consciência Quântica do Observador.

  4. Referencia a Ouroborus . – hemlock grove Fullmetal Alchemist quando esse assunto entra em cena .. Heheh espectadores vidrados …

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