quarta-feira, abril 17 2024

Num determinado momento desse The Final Problem, Mycroft fala algo como “Isso é desumano e insano!“. Ele se referia, claro, a mais um dos jogos iniciados pela vilã da vez, mas a frase também serviria perfeitamente para definir a experiência que boa parte dos espectadores e admiradores do detetive mais famoso da cultura pop estavam tendo àquela altura. Afinal, se esse foi mesmo o fim de Sherlock (e tudo leva a crer que foi), Benedict Cumberbatch e Martin Freeman (por tudo que fizeram com os personagens) e os fãs (pela paciência de tanta espera) mereciam coisa muito melhor como despedida.

Abusando da suspensão de descrença como nunca fizeram antes na série, Moffat e Gattiss apostaram num roteiro repleto de conveniências e pobre de lógicas minimamente aceitáveis. E assim, sem jamais ter apelado para o fantástico como elemento de sua narrativa – e sem qualquer preparação/indicação prévia de que poderia fazê-lo -, eis que  de repente a série nos apresenta uma vilã cujas características quase mutantes (afinal ela era capaz de manipular/escravizar qualquer um apenas com poucas palavras) fariam mais sentido no universo dos X-Men do que nesse de Sherlock.

E como se já não fosse ruim o bastante ambientar o tal Problema Final num cenário digno de base secreta do 007, o que dizer então das seguidas, lamentáveis e fracassadas tentativas de Benjamin Caron (diretor do episódio) de referenciar Hannibal Lecter no primeiro encontro de Sherlock com a irmã e vilã Eurus Holmes; de transformar a prisão numa espécie de Asilo Arkham dominado por uma aprendiz de Coringa e de lançar os protagonistas numa série de tarefas saídas de um capítulo da franquia Jogos Mortais?

Exagero meu? Então como aceitar que uma personagem que os autores da série jamais indicaram que poderia existir, conseguisse saber tanto (mesmo estando presa há anos) das atividades do irmão detetive a ponto de dar a James Moriarty, todas as ferramentas que ele acabaria usando contra Sherlock nos eventos da segunda temporada da série? Aliás, por que diabos Mycroft, que desde sempre dizia ser o mais inteligente dos Holmes, permitiria que a irmã tivesse uma conversa não monitorada com Moriarty (que aquela altura ele já claramente sabia se tratar de um sociopata) como forma de prêmio para Eurus por ela ter previsto (também sabe-se lá como) potenciais ataques terroristas em solo inglês?

Sim, eu “adoraria” que a falta de lógica do roteiro fosse o único problema desse final. Mas como se fosse pouco reduzir a  promessa do retorno de Moriarty – feita desde o final da terceira temporada em 2014 além do especial de 2015, vale lembrar – a um reles flashback (que teve lá seu momento inspirado com a entrada do personagem ao som de Queen) e a mensagens de vídeo gravadas por ele a pedido de Eurus, pior ainda foi o fator gritantemente misógino plantado pelo roteiro numa frase que foi não só expositiva (“Você sabia que ele iria se vingar. E a vingança dele sou eu!”) como também reduziu a vilã a uma peça menor daquele jogo.

Eu podia ficar aqui enumerando mais um tanto de furos desse terrível final como, por exemplo, o fato dele não ter conseguido dar sequer um mínimo de peso ao gancho deixado pelo bom segundo episódio ou ainda o fato de colocar Sherlock, Watson e Mycroft sobrevivendo a uma explosão(!) sem qualquer ferimento, mas a cada vez que penso na “virada” que explicava do que se tratava toda aquela situação da garotinha no vôo, mais ódio sinto pelo medíocre roteiro de Moffat e Gatiss. “Ah, mas o vôo perdido faz uma metáfora plausível do estado mental de Eurus e contextualiza o jogo construído por ela que Sherlock conseguiu solucionar”, alguém poderia dizer ao que eu retrucaria com duas simples perguntas: ela faz sentido? Foi honesta? Pois é.

E a coitada da Mary então, que além de aparentemente adivinhar ANTES de morrer todo tipo de conflito que se seguiria envolvendo Sherlock e Watson – além de saber apontar o exato momento em que uma nova mensagem deveria ser entregue ao ex-marido -, o fez meio como se tivesse aceitado que seu papel de vida era mesmo menor e de simples catalisadora de eventos que permitissem à dupla ter a chance de seguirem felizes para sempre (conforme a novelesca sequência final indica) como os Baker Street Boys?

Independente de tudo isso e da grande decepção deixada por esse desfecho, Sherlock será para sempre uma das séries que mais curti acompanhar e jamais deixarei de recomendá-la para amigos e leitores. Agora, se há uma certeza irrefutável deixada aqui é a de que toda vez que se afastaram demais do material de origem, os criadores da série se perderam. Dito isso, como o contraexemplo nunca deixa de ser uma maneira de aprender, espero que as próximas pessoas que resolverem adaptar a obra de Sir Arthur Conan Doyle possam usar tudo de bom (a maior parte da série) e de ruim (felizmente a menor) que essa versão moderna de Sherlock Holmes nos deu.

19 comments

  1. “Então como aceitar que uma personagem que os autores da série jamais indicaram que poderia existir, conseguisse saber tanto (mesmo estando presa há anos) das atividades do irmão detetive…”
    Indícios tiveram, ela foi citada ainda em “His Last Vow”, pelo Mycroft, quando ele fala “what happened to the other one”.
    Já estavam planejando a chegada de Eurus há tempos e gostei da forma como a introduziram, sem que gerasse suspeitas (em The Six Thatchers), fazendo com que a audiência se indignasse mais com o comportamento do Dr. Watson; mantiveram-na causando terror (em The Lying Detective) e fecharam explicando “what happened to the other one” (em The Final Problem). O arco narrativo da temporada foi sobre ela, e sobre como ela conseguiu manipular a todos, inclusive a audiência, que acreditava entender de tudo sobre o protagonista.
    A parte explicativa acabou ficando “corrida”, mas deu pra entender que Eurus, portadora do Transtorno de Personalidade Antissocial se transformou numa super manipuladora, traço característico da psicopatia. E pra quem engoliu em todos esses anos os poderes perceptivos e de observação do Sherlock, não é nada “cabuloso” encarar o poder dos Holmes incorporado numa personagem construída no decorrer da temporada.

  2. Quem é fã de qualquer obra envolvendo Sherlock, sabe que no fim sempre fica aquele gostinho agridoce. Assim a serie não foi diferente.

  3. Todas as temporadas mostram os problemas emocionais dos Holmes, e na quarta temporada, eles tentam dar humanidade para eles. É claro, isso não aconteceria sozinho e todas as situações da temporada foram feito para isso.

  4. Se estou comentando aqui pela primeira vez ( o que achoque é verdade)é porque raramente discordo dos caras daqui,mas nesse episodio tenho que aparecer ( ate porque essa é uma das unicas coisas boas da internet, poder deixar a sua opinião a mostra de todos)… Pra mim, esse é um episodio que so deveria ser comentado depois de ver 2 ou 3 vezes, porque na minha opiniao que gostei dele ( tirando a ultima cena do video da Mary, que por mais que seja interessante de um ponto de vista de narrativa final, pareceu sim forçado), é um “final” digno para a serie.

  5. Acho que nessa vou concordar com o pessoal dos comentários e discordar dá crítica, acho que vi outro episódio….Passei o EP inteiro tenso é agarrado à narrativa….Acho que reclamar dos “poderes” dá eurus e ignorar 4 temporadas de deduções miraculosas do Sherlock é um tanto quanto contraditório…..Sem falar no “palácio dá mente” do cara dá terceira….Mas enfim, gosto é gosto, mas acho que em alguns momentos realmente eu não ser do ramo dá “crítica” é bom, pois o Thiago Siqueira tb odiou o EP e tal, ao qual eu achei muito bom…. Mas deve ser a máxima dá ignorância eh uma benção mesmo

  6. A Eurus é a versão feminina do Killgrave. Concordo com a crítica. Dá para aceitar o fato de ela ser capaz de ler as pessoas e as manipularem a fazer determinadas coisas, como levar o terapeuta a matar a própria família e cometer suicídio. Agora, controlar toda a prisão e os guardas foi demais. Isso é uma habilidade mutante.

    O pior foi o final. A resolução do mistério foi pobre, piegas e anticlimático. Então toda a sua psicopatia foi um “cry for help” e um pedido atenção do irmão maior? Conte-me outra.

  7. Olha vou discordar bastante da crítica. Sim, tudo bem… Eu concordo que eu também fiquei esperando algo mais… Mas acho que esse episódio está longe de ser o pior da série. Achei na verdade um puta exagero 1 estrela, mas tudo bem… Respeito. Aliás, eu particularmente não creio (não é questão de não aceitar) apenas não acho que a série se encerrou aqui. Todo mundo (atores, BBC, produtores e afins) sabem da grandiosidade dessa série, eu não creio que eles iriam planejar concluí-la assim… Acho que quando for concluir, vai ter muito marketing em cima disso como “O CAPITULO FINAL” ou ‘SERIES FINALE” nem que seja apenas mais 1 episódio. Tudo bem, que esse 4×03 ficou com uma baita cara de Adeus, mas vi isso mais como um plano B caso não ande a ideia de trazer mais episódios de Sherlock, afinal todos sabem como estão as agendas do Freeman e do Cumberbatch.

  8. Concordo com a Critica! Deram uma viajada na maionese mesmo

  9. Sherlock não tem super poderes, ele é apenas um ser genial, que tem uma super capacidade de observação e dedução, por mais “miraculoso” que isso possa parecer, não é dificil imaginar que isso realmente possa ser possível de fazer se você tem um alto grau de inteligencia. Já transformar pessoas em escravas com o poder da mente é x-men.

    Episódio foi bom, edição ótima, atuações perfeitas, porém, esse fator deixou a desejar mesmo.
    Poderia ter explorado a Eurus de uma outra forma, com jogos psicológicos do estilo “Duro de Matar 3”, onde se tem algo planejado e uma mente genial, aliás, achei o vilão do 2º episódio muito mais promissor do que a Eurus e poderia ser melhor explorado.

  10. Se nunca vi sherlock, e esse é o primeiro episódio que verei de Sherlock, merece 5 estrelas. pelo seu grau de tensão, a forma como prende o telespectador, edição foda, e atuações brilhantes. Porém, se voce assiste desde a primeira temporada, considera a narrativa, o contexto, e para só um pouquinho pra pensar. voce percebe que esse episódio é bem ruim.

  11. Cara não é questão de ser bem ruim, é que é abaixo da média da série e a média é altíssima. Eu não discordo não, só acho um exagero quando diz que é um episódio bem ruim, quando não é.

  12. Acho que a gente pode considerar a ‘manipulação/escravização’ como um metafora, ela não precisa ter todo mundo nas mãos, ela é esperta o suficiente pra agir em cima de quem de fato dá as ordens no lugar e assim estender toda a sua teia de influência. Se tá achando muito fora da realidade, pensa nos atuais ‘influencers’, políticos, figuras famosas que plantam uma opinião e várias pessoas seguem, endeusam e partem até para vias mais radicais de ‘defender o que acredita’, não precisa de poderes para manipular as pessoas, precisa falar o que o outro quer ouvir e Eurus tem sim esse ‘poder’.

    Não é feio falar que não gostou de um episódio bom, mas dizer que o episódio foi pra para argumentar o desgosto não é justo, pode ter sido um episódio aquém do conjunto da obra que assistimos até aqui, mas ruim?

  13. Um final terrível pra uma grande série. O gancho do retorno do Moriarty no final da terceira temporada já tinha me irritado, mas o que acabaram fazendo foi ainda pior. Ficaram nessa coisa de “tá vivo, tá morto” só por causa do fandom apaixonado pelo personagem, não tiveram coragem de simplesmente deixar ele morto. E ainda trazem ele de volta da forma mais rasteira possível, num flashback safado com uma montagem que dá a entender nos primeiros segundos que a cena é no presente. E o desfecho da história do avião foi tipo chamar o fã de otário e dizer “se preocupou com esse avião o episódio inteiro à toa, mané”.

  14. Adoro a série, mas sou obrigado a concordar com essa crítica do último episódio.

  15. Cara, lendo sua crítica eu consigo sim visualizar tudo o de ruim que esse episódio final teve. Não obstante, se o episódio final não fez juz a toda a excelência da série, pelo menos divertiu e, convenhamos, é melhor do que muita coisa na TV (e no cinema) por aí, inclusive sobre o nossos queridos “Baker street boys” (a citar os terríveis filmes de Guy Ritchie).

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