quinta-feira, abril 25 2024

Se existisse um ranking, o medo de ser esquecido certamente ocuparia um lugar no alto da lista das maiores aflições do homem desde o primórdio dos tempos. Um temor justificado, diga-se, pelo desejo – mesmo que inconsciente -, de que cada um de nós quer deixar uma marca aqui quer seja pelo trabalho que desempenhamos profissionalmente ou pelas relações que construímos com amigos e familiares ao longo da vida. Nesse contexto, é razoável dizer que um artista sempre leva uma ligeira vantagem nesse esforço, visto que por ser potencialmente imortal através de sua obra, ele será sempre capaz de ser lembrado ao tocar os corações e mentes de novas pessoas mesmo anos depois de sua partida.

Viva: A Vida é uma Festa (Coco no original), novo filme da Pixar, fala disso e de muitos outros temas usando uma das tradições mais marcantes da cultura mexicana: o Dia dos Mortos. É através dela e do que ela representa (uma festa que lembra e celebra a vida de pessoas e entes queridos que já faleceram) que o estúdio responsável por tantos clássicos da animação mais uma vez nos presenteia – tal qual fizera em 2015 com Divertida Mente -, com uma produção que casa à perfeição história, visuais impressionantes e uma narrativa repleta de sutilezas capaz de divertir e emocionar com raro equilíbrio.

Dirigido por Lee Unkrich (do maravilhoso Toy Story 3) e roteirizado por Adrian Molina (Universidade Monstros) que acabou creditado como co-diretor, Viva conta a história de Miguel Rivera, um garoto mexicano de 12 anos que tenta levar adiante o sonho de se tornar cantor mesmo fazendo parte de uma família que baniu a música de suas vidas por conta de um trauma do passado envolvendo Imelda, trisavó de Miguel, que fora abandonada com uma filha pequena pelo marido que sumiu depois de sair de casa para se tornar cantor.

A verdade dessa história, contudo, começa a mudar quando Miguel enfrenta a rejeição de sua família à música ao se inscrever num show de talentos em pleno Dia dos Mortos e ao visitar o mausoléu de Ernesto de la Cruz, um famoso cantor cuja relação com os Rivera o garoto começa a desvendar ao ir parar na Terra dos Mortos onde conhece seus antepassados e experimenta uma jornada de descobertas que mudará para sempre a percepção que ele tem da vida e por tabela a relação que os Rivera tem com a música e como ela seria capaz de reconstruir laços até então perdidos.

Contando com uma direção de arte impecável aliada à fotografia belíssima assinada por colaboradores de longa data da Pixar, Viva tem nas muitas sequências que se passam na Terra dos Mortos, um visual que impressiona tanto pelo escopo (tudo é muito grandioso) quanto pela beleza (quer seja das muitas cores ou pela elegância de suas misturas). Igualmente impressionante é o trabalho dos animadores que conseguiram dar vida, graça, expressividade e personalidade a esqueletos ambulantes (o Héctor, por exemplo, é excepcional) e que em mãos menos talentosas, poderiam se tornar meros rascunhos de zumbis o que fatalmente sabotaria qualquer identificação que pudéssemos desenvolver com aqueles personagens.

Tematicamente similar ao belíssimo Festa no Céu (The Book of Life de 2014) que também tinha o Dia dos Mortos como parte essencial de sua trama, Viva, no entanto, tem ainda mais personalidade do que aquele filme por três motivos: (1) consegue ser visualmente ainda mais impressionante; (2) tem um elenco de vozes (no original, pelo menos) num trabalho de composição excepcional e cheio de nuances (Anthony Gonzalez, Benjamin Bratt e Gael Garcia Bernal como Miguel, Ernesto e Héctor, respectivamente, são os grandes destaques) e, principalmente, (3) por ter na trilha sonora incidental composta pelo sempre eficiente Michael Giacchino (Os Incríveis, Ratatouille, Up etc) e nas ótimas músicas que vão surgindo aqui e ali mesclando mariachi, salsa, flamenco e afins, não uma simples distração, mas sim grandes instrumentos que ajudam a fazer rir e sobretudo a emocionar (é um desafio e tanto tentar passar pela cena em que Remember Me é executada sem derramar uma lágrima) na construção do que, no fim, é a grande mensagem do filme: a de que a arte salva e a morte definitiva só ocorre quando somos esquecidos.

Viva: A Vida é uma Festa estreia dia 4 de janeiro de 2018 no Brasil

4 comments

  1. Puxa, será que sou apenas eu que nunca tive qualquer pretensao de “deixar minha marca” no mundo, muito menos que eu seja lembrado?… Quero apenas viver essa vida muito bem, com amor, saude e muito conforto (nao precisa exageros de mansoes e ouro, mas apenas “conforto”).

    Inclusive, quando eu morrer, quero ser cremado, exatamente para nao ter tumulos e ninguem ter a obrigacao de ficar “me visitando” no cemiterio (troço mais chato). A pessoa morreu, acabou! Tem que virar a pagina. Que os vivos vivam, e deixem os mortos pra la. É o que eu penso. :-)

  2. E que titulozinho mais chinfrim que resolveram dar para “Coco” em portugues brasileiro, heim?… Essa turma que dá os titulos dos filmes no Brasil cada vez piora mais…

  3. A “marca” não precisa ser algo material! Pode ser simplesmente uma ideia, um ideal ou um legado de boa ação pra inspirar as próximas gerações.
    Muitos dos acontecimentos, movimentos e ideias atuais são pautados por ações de pessoas do passado (pode pegar qualquer figura histórica, pro bem ou, infelizmente, pro mal).
    Mas entendo seu ponto, e tá tudo bem, não é uma regra.
    Abraço.

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