quinta-feira, março 28 2024

Martin McDonagh dirigiu um dos filmes que mais gosto, Na Mira do Chefe (In Bruges), que era um delicioso estudo de personagens em situações extremas no interior da Bélgica. Em Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), contudo, o cineasta atinge o melhor momento de sua curta carreira ao combinar seu dom para o humor negro com uma história relevante para os dias atuais.

Aqui Mildred Hayes (Frances McDormand, digna de todos os prêmios) é uma mulher forte, mas abalada pela precoce perda de sua filha, que fora estuprada, morta e queimada nos arredores da pequena cidade de Ebbing. Inquieta e indignada com a inércia da força policial local – que quase nada fez para resolver o caso – ela decide utilizar suas economias para alugar três outdoors cobrando respostas do poder público.

A atitude de Mildred, então, causa um enorme desconforto na pequena cidade, justamente por ser um local onde todos invariavelmente se conhecem, e em especial conhecem e admiram o chefe de polícia Willoughby, vivido com a intensidade e o carisma usual de Woody Harrelson. Os três outdoors, então, desencadeiam uma série de atitudes na cidade que afloram o que há de mais primitivo no ser-humano.

Um dos mais “afetados” por todo o clima instaurado na cidade é o impulsivo e inconsequente policial Dixon (Sam Rockwell, que está magnífico): um sujeito misógino, violento e racista que toma as dores do chefe Willoughby não apenas por tê-lo como uma figura paterna, mas também porque este encontra-se vitimado por um câncer terminal.

Aqui vale a pena abrir um parêntesis: não é porque um filme retrata racismo e violência policial que ele seja pró tais coisas. Pelo contrário: através de cenas fortes em que a câmera não poupa em expor a monstruosidade dos atos do abusador, o filme faz um claro comentário negativo e contrário ao que está sendo exibido, pois jamais romantiza tais atitudes e sequer “redime” o policial quando este percorre um arco de potencial transformação.

Três Anúncios Para um Crime, por isso, é um filme complexo e que não busca em nenhum momento criar uma narrativa ancorada entre “bem e mal”, como se Mildred fosse uma santa (não é) ou como se todos os policiais, inclusive o chefe Willoughby, fossem incompetentes (não são). Assim, o longa flui em torno dos diversos eventos que são desencadeados pelos anúncios (alguns até mesmo pouco plausíveis, como o que Dixon protagoniza no escritório de publicidade) como um exercício para extrair uma rica discussão em torno do que é retratado.

Forte quando quer ser e comovente quando tem que ser, esta obra-prima de Martin McDonagh, que também escreveu o roteiro, além de dirigir, evidencia que este é um cineasta que merece a atenção do Cinema, e certamente Três Anúncios é o filme que o estabelece como um grande e sensível realizador do audiovisual.

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