quinta-feira, abril 18 2024

A cena que mostra Rick Grimes dando uma arma de fogo para o seu pequeno filho Carl resume o principal tema da série The Walking Dead até o momento: o processo de degradação moral dos personagens. A grande questão filosófica posta pela série é: alterações no ambiente determinam mudanças de comportamento? Ou mais especificamente: o apocalipse zumbi dá carta branca para que as pessoas se desfaçam dos seus valores morais, em nome da sobrevivência? Ortega y Gasset disse algo neste sentido: “eu sou eu e minhas circunstâncias“. A frase coloca o ambiente externo como variável integrante da equação da individualidade. Mudam-se as circunstâncias, muda-se o indivíduo.

Por outro lado, o existencialista Sartre nos alertou: “estamos sós e sem desculpas“. Ou seja: Somos os únicos responsáveis pelo que somos e pelo que fazemos. Não há desculpa que transfira para o outro a responsabilidade pelos nossos atos. Colhemos o que plantamos! E somos responsáveis pela colheita. E aí? Quem está com a razão? Ortega y Gasset ou Sartre? Rick Grimes ou Dale Horvath? Particularmente, eu acredito que o ambiente influencia, mas não determina o comportamento das pessoas. Temos livre-arbítrio para resistir ou ceder às influências. Ao meu ver, o grau deste livre-arbítrio é diretamente proporcional à evolução moral do indivíduo. Quanto mais evoluído, mais capaz de resistir às más influências do ambiente.

Também acho que as mudanças no ambiente podem apenas revelar características de personalidade que só estavam ocultas. O senso comum prega que se quisermos realmente conhecer alguém basta dar-lhe poder. A reflexão é mais do que oportuna, sobretudo agora que Rick Grimes assumiu de vez o comando dos sobreviventes e já anunciou em alto e bom tom: isto não é uma democracia! O personagem que vinha resistindo à degradação dos valores morais, em razão do ambiente arisco e da exacerbação do instinto de sobrevivência, era Dale Horvath. Antes de morrer, ele disse algo como: “o mundo pode até ser outro, mas nos mantermos civilizados é uma decisão nossa”.

Dale talvez tenha sido o último arauto da ética no fim do mundo. Da forma como aconteceu, sua morte poderá dar ainda mais importância a umas de suas últimas palavras. Elas podem ter sido ditas por uma espécie de sacerdote ou mártir. Neste caso, a lembrança póstuma de Dale e de sua defesa da ética poderia ajudar a manter os personagens civilizados. Não é o que estamos vendo até agora! Dale era um bobo ou um líder espiritual? A resposta a esta pergunta definirá o futuro da série…

Thiago de Góes é jornalista, escritor e blogueiro por trás do Lostalgia. Essa foi sua mais nova contribuição como colunista convidado do Ligado em Série!

5 comments

  1. Eu apoio a ideia de Rousseau de que “o homem nasce bom e sem vícios, mas acaba corrompido pela sociedade”.
    No contexto da série, eles tinham um outro comportamento sem os zumbis e outro comportamento com os zumbis. Decisões que antes pareciam fora de cogitação, hoje fazem todo o sentido para sobreviverem. Eles tiveram que se adaptar ao ambiente.

  2. Quando a sociedade acaba, o verdadeiro ‘eu’ de cada um aparece.

    O que somos é limitado pelas regras sociais, ou seja, quando essas regras não existirem mais, não há mais denominação de ‘bom’ ou ‘ruim’.

  3. Pelo contrário, eu acredito no Estado de natureza do homem Hobbesiano. Ele disse que quando não há um Estado soberano que detenha o monopólio do uso da força, os homens vivem com medo a todo instante de serem atacados pelos outros indivíduos pois o seu vizinho pode querer o que você planta, e o jeito mais fácil de conseguir isso é te matando, pois não hé um poder superior que o julgará. No caso de TWD, eles vivem num Estado de natureza, e matam antes de serem mortos, pois o ataque é a melhor defesa e o fim mais desejado é a sobrevivência.

  4. Por outro lado, o existencialista Sartre nos alertou: “estamos sós e sem desculpas“. Ou seja: Somos os únicos responsáveis pelo que somos e pelo que fazemos

    Ele é um exemplo disso, babão de ditadores pelo mundo, portanto, responsável por fechar os olhos a realidade.

  5. As vezes o proprio Estado conduz a sociedade ao uso da força e da violencia contra parte dela. Nesse caso, até que costuma seguir valores morais, pode cometer crimes contra o próximo, sem sentir culpa pelo aval da autoridade.

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