quinta-feira, abril 25 2024

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[contém spoilers] No meio de todo o imbróglio envolvendo o Sony Hack, a Coreia do Norte e The Interview (A Entrevista) existe um efeito psicológico que é patente da natureza humana: se algo é proibido, banido ou censurado, a vontade e expectativa inevitavelmente em torno vai necessariamente aumentar. É nesse hype de ameaças, cancelamentos e erros estratégicos de governos e corporações que o longa de Seth Rogen e Evan Goldberg estreou no Natal de 2014. E não se engane: The Interview não é nada mais que uma sátira besta como qualquer outro filme estrelado por Rogen, Franco e a turminha de Freaks and Geeks. Mas é um besteirol que funciona e nem de longe pretende ser “o mais controverso filme dos últimos tempos”. Isso foi potencializado por todo o marketing involuntário que o filme sofreu, mas no fim ele cumpre exatamente o que se propõe a fazer.

Primeiramente, a produção acerta em cheio o tom debochado de seu humor. Ao direcionar as piadas e críticas ao opressor em vez de fazer jocosidade com o oprimido, o roteiro se sobressai onde a maioria dos comediantes de hoje em dia erra. O alvo aqui é o governo ditatorial da República Popular “Democrática” da Coreia do Norte e a própria política externa dos Estados Unidos da América, que não mede esforços pra por o bedelho em tudo. E mesmo fazendo piadas (de mal gosto) com sotaques orientais, judeus e quem mais cruzar seu caminho, o filme o faz através de figuras que desde o início são estabelecidas como estúpidas e frívolas, o apresentador Dave Skylark (Franco) e o produtor Aaron Rappaport (Rogen). Isso que inevitavelmente lembra o feito de Sacha Baron Cohen no seu extraordinário Borat. Ora, aquele filme é tão (ou mais) ofensivo que este, mas é feliz em sua entrega justamente por saber colocar as idiotices na boca de idiotas que a proferem.

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Mas vamos à trama. Após completar 1.000 programas no fictício Skylark Tonight, o produtor encontra-se em um dilema profissional: quanto tempo mais dedicará a sua carreira no jornalismo de entretenimento que enaltece fatos como a bunda de Nicki Minaj ou a “racha” de Miley Cyrus? The Interview começa surpreendendo com uma ponta do rapper Eminem – considerado homofóbico pelo teor das letras de algumas de suas musicas – fazendo uma revelação “bombástica”. Dali, descobrem que o recluso ditador King Jong-Un é um imenso fã da atração e está disposto a conceder uma entrevista exclusiva para ser transmitida ao mundo. Eles então embarcam para a restrita Pyongyang, não antes de serem recrutados pela bela agente da CIA Lacey (Lizzy Caplan) para “apagar” o ditador e tentar reestabelecer a verdadeira democracia no país. E apesar do tema delicado, The Interview jamais “pisa em ovos” e o que testemunhamos é uma sequência interminável de “Franco/Rogismo” com tudo que temos direito: do escancarado bromance a piadas escatológicas, expondo o ditador como uma “menininha mimada” que vive às sombras do abuso dos pai e herdeiro de um dos maiores regimes totalitários do mundo.

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Mas o forte do filme é justamente a capacidade de fazer graça com tudo e todos, a começar pela própria dupla de jornalistas que possui uma visão brutalmente americanizada e superficial do mundo (o que não deixa de ser uma crítica ao norte-americano médio, que dificilmente enxergará isso). É muito bom quando os realizadores têm consciência e sabem fazer piadas consigo mesmo antes de apontar o dedo aos outros. Em determinado momento, uma personagem os confronta: “quantas vezes vocês americanos vão fazer tudo errado?” “quantas vezes for preciso!”, responde Skylark sem ao menos pestanejar. As gags são hilárias, em especial toda a sequência que mostra o entrevistador conhecendo melhor seu entrevistado e juntos curtem margaritas, baladas ao som de Katy Perry, carros de luxo, basquete (numa clara referência a Dennis Rodman, amigo pessoal do ditador), revelando que este é um ser humano como qualquer outro, exceto quando não está derramando o seu ódio contra aqueles que não o veem como o “líder supremo” que acha que é, inclusive a própria população norte-coreana. Aliás, a composição de Randall Park como Kim-Jong-Un é impecável, extraindo do ditador de forma tênue empatia e repulsa quando o texto assim o demanda.

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The Interview, assim, entrega justamente o que é prometido e esperado: uma comédia de absurdos que é divertida e subversiva que foi mais prejudicada pela importância que os fatos “externos” ao longa a impuseram do que pelo seu próprio conteúdo. A própria entrevista tem ação, tensão, comédia nonsense, mutilações e bobagens como o ditador literalmente cagando nas calças ao vivo para o mundo, pondo por terra o que fora construído por sua máquina de propaganda comunista. É claro que, por ser uma filme norte-americano, o momento do triunfo ianque é inevitável (mas contido) na aguardada cena da morte de Kim, apesar de nem de longe ser o “ato de guerra” declarado que se esperava pelo regime do Un verdadeiro. Pode-se dizer que o mais inesperado em The Interview foi o fato desta boa comédia ter iniciado um incidente internacional, quando na verdade não deveria ser mais do que um passatempo como This is the End ou Neighbors.

4star

The Interview foi disponibilizado pela Sony para aluguel/compra digital e estreia hoje em salas limitadas nos EUA. No Brasil o filme tem previsão de estreia em 29 de janeiro de 2015, embora a assessoria do estúdio não tenha confirmado se a data será mantida. Assista ao trailer:

14 comments

  1. Marketing Involuntário? Das duas uma: ou isso tudo foi provocado pela própria SONY ou por por meia dúzia de hackers que está rindo até agora. Se isso fosse coisa dos norte-coreanos, teriam feito o mesmo escândalo na época de Team America…

  2. Sabe se já tem disponível com legenda em português?

  3. Achar que isso foi provocado pela Sony é de uma ingenuidade absurda. Pra começar, o estúdio perdeu muito dinheiro e informações confidenciais com o hack, que indispôs 1/2 Hollywood. Segundo, milhares de funcionários – inclusive brasileiros que conheço – tiveram dados expostos na Internet, sem falar no prejuízo material das principais redes de cinema dos EUA se recusarem a exibir o filme, obrigando a um lançamento em VOD às pressas para tentar recuperar o investimento. Pensa direito nas declarações que dá. Nem tudo é tão pueril como pensa que é.

  4. O filme foi lançado oficialmente somente em VOD nas plataformas YouTube Filmes, XBOX Video e SeeTheEnterview.com. Por enquanto sem legendas, pois é destinado ao mercado norte-americano. No Brasil deve sair nos cinemas, caso queira esperar para ver legendado.

  5. Até posso concordar que a SONY nada a tenha a ver, mas ingenuidade é acreditar que a Coréia no Norte iria ameaçar os EUA por uma bobagem dessas, isso sim é pueril. Tão pueril quanto os hackers que expuseram os dados da SONY. Team America acabou com o pai do atual ditador e ninguém reagiu da mesma forma. Isso não passa de uma piada. Na minha época, os bagunceiros colocavam batatas em escapamento pra ver explodir… hoje eles têm computadores. Pueril mesmo é acreditar em tudo que a mídia publica. Vamos ver quanto tempo o wikileaks vai levar pra fazer a máscara cair… Aliás, por falar em “pueril” dá um relida no seu texto sobre o filme :-)

  6. Se você ver as mensagens OFICIAIS que diplomatas da Coreia do Norte emitiram verá que, mesmo se eles não tiveram nada com isso, declararam o filme sim como “um ato de guerra” e parabenizaram os hackers que fizeram o alarde. Un é muito mais megalomaníaco que Il e não duvido nada que ele esteja por traz disso. Já se não curtiu a crítica, direito seu e obrigado pela visita ;)

  7. Nada contra a crítica, só achei o texto um pouco objetivo de mais. Relaxa. Quanto aos norte coreanos, assista ao filme “Rato que Ruge” que vc vai entender. Esse circo que a mídia faz sobre certos assuntos é pra desconfiar sempre.

  8. “Un é muito mais megalomaníaco que Il” como se fosse só o líder militar (o cargo deles não era de presidente) que resolvesse tudo no país. Pelamor

  9. Acabo de baixar pelo torrent em imagem de qualidade 720 p, mas não encontrei legenda disponível.

  10. Baixei por torrent com legenda. É só procurar que você acha.

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