sexta-feira, março 29 2024

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Eggsy é apenas mais um daqueles garotos problemáticos que moram nos arredores de Londres e têm aquele sotaque de falar com uma plantação de batatas na boca. A vida do rapaz muda quando ele é recrutado por uma organização britanicamente secreta e, além de passar nos testes, precisa ajudar seu mentor Harry a impedir as maquiavélicas maquinações de um vilão que usa o boné virado.

Não há nada de muito novo em Kingsman: temos o aparentemente inadequado pupilo que, recrutado para uma jornada muito maior do que ficar bebendo pints em um pub (talvez; há controvérsias), torna-se a ovelha negra no meio de um monte de ovelhas brancas e nobres e de família e muito melhor preparadas, recebendo ainda uma inexplicável confiança de seu mentor. Uma história já contada um milhão de vezes (diabos, algumas mudanças e poderia ser a sinopse de Harry Potter). Mas, seguindo a tradição de um país que dirige pelo lado contrário da rua, Matthew Vaughn usa todas as oportunidades possíveis para jogar humor, diversão, fanfarronice e cenas de ação espetaculares para tudo que é lado.

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Afinal, é uma produção onde o vilão mergulha com vontade na estética acessorial do Serginho Malandro, tem a língua presa e fica enjoado toda vez que vê sangue. E é aí que Kingsman ganha seu lugar ao trono: ao se soltar da coleira, a produção corre alegremente por verdejantes campos de nonsense, possibilitando toda sorte de situações descabidas, quebra-pau descontrolado, punchlines fatais, tecnologia obliterante e por aí vai. Nada é arrastado ou cadenciado. Dos diálogos à mise-en-scène (que não desperdiça movimentos), tudo é pensado para enaltecer a montanharussice do filme, cuja execução se torna extremamente imprevisível (apesar da trama previsível) e, por causa disso, extremamente envolvente.

Matthew Vaughn aproveita a assistência da abordagem e inunda o filme com trucagens de câmera e edição, mas sem soar exagerado ou cansativo – a câmera lenta, por exemplo, permite ver melhor as coreografias enquanto a montagem estilosa torna as elipses durante o treinamento mais divertidas e o time-lapse mostra de forma impressionante a distância do QG. Volta também a violência estilizada, que o diretor já havia usado com maestria no sensacional Kick-Ass e que em Kingsman atinge graus de plasticidade quase louvreanos – uma sequência específica de cabeças explodindo, por exemplo, faz os fogos de artifício do réveillon em Copacabana parecerem palitos de fósforo úmidos. Vaughn segue tudo se esquivando dos cortes e apostando em planos mais longos, o que torna as coreografias ainda mais impressionantes, bem como a utilização de travellings acelerados para que o espectador consiga ficar a par das contendas.

É um tipo de abordagem que distancia as personagens, é verdade, mas aqui a coisa é facilmente resolvida através do carisma de Colin Firth, tão seguro e decidido que parece tornar Harry alguém capaz de controlar um dragão só através da força do sotaque britânico – contrastando com Taron Egerton, que meio que fica o tempo todo fazendo variações de expressões confusas e não consegue realmente conquistar o público. O resto do elenco se mantém no mesmo nível eficiente que a gente acha que caras como Michael Caine e Jack Davenport vão se manter, com destaque para a língua presa de Samuel L. Jackson e Mark Strong finalmente interpretando algum dos mocinhos (e o fazendo com competência).

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Claro, o roteiro não oferece muitas oportunidades de catarses interpretativas, já que a) a trama encadeia acontecimentos e reviravoltas de acordo com o manual de acontecimentos e reviravoltas dos filmes de espionagem (e uma delas inclusive é assaz desnecessária) e b) catarse interpretativa é coisa de maricas e o canal é bombear adrenalina para fora da tela. Mas o que falta em criatividade na trama sobra nos diálogos afiados (“como em My Fair Lady?“, “Podemos usar a bunda“) e na enorme vazão de momentos que fazem brotar o clássico timing cômico inglês (“seria um desperdício deixar uma gota derramar“, “os modos fazem o homem“). Além disso, consegue exagerar o suficiente nos aspectos tecnológicos e na megalomania das missões para proporcionar um nível de absurdo que se aproxima do, bem, absurdo (e, ciente da farsa, o filme faz questão de rir de si mesmo, o que é sempre bem-vindo em produções desse tipo).

Kingsman só peca ao se alongar um pouco demais e ao forçar em algumas coincidências (sério que Valentine não desconfiou da cartola?). Mas são tropeços não chegam a minar a diversão ensandecida que a película produz ao subverter as expectativas do gênero. O filme é uma surpresa genuinamente engraçada que chega para se juntar a Guardians of the Galaxy no Manifesto da Fanfarronice – e que, unindo brutalidade escrachada, Colin Firth e uma igreja, serve ao espectador a provável vencedora de melhor cena de ação do ano, uma pérola de decupagem e coreografia que se aproveita da direção em chamas para evoluir até a insanidade e que atira o público no que só pode ser definido como uma “centrífuga de pitbulls furiosos e portando armas”. No final deste ano teremos The Hateful Eight, novo filme de Tarantino. Em termos de estilização da violência, Kingsman é uma forma de Matthew Vaughn olhar para o diretor queixudo e testudo e falar “bota contra”.

4star

2 comments

  1. Acho que você não entendeu um ponto: ele sabia da cartola. Ele queria levar o agente para determinado lugar…

  2. Ótima critica, mas para ficar melhor.. Saiba que foi baseado em uma HQ e logo ela tem que ser levada em consideração na análise..

    Mas curti muito o filme !

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