quarta-feira, março 27 2024

blackmirror

É muito bom ver que a Netflix se tornou uma plataforma que permite que boas histórias continuem sendo contadas. Desde a volta de Arrested Development em 2013, a empresa aposta em produções que, de um jeito ou de outro, não continuaram na TV tradicional. Isso é possível graças às estatísticas de visualização de filmes e séries do catálogo, que indicam quais produtos os usuários mais gostam.

Black Mirror, então, virou um sucesso mundial justamente graças ao serviço de streaming e a esta casa retorna nesta sexta, 21 de outubro a partir das 5 da manhã (horário de Brasília). Criada por Charlie Brooker e Annabel Jones, a produção é composta por uma antologia de telefilmes que – ainda que totalmente independentes entre si – contam histórias perturbadoras envolvendo a tecnologia, melhor, o que o ser-humano é capaz de fazer com a tecnologia em um futuro distópico,  mas muito possível de acontecer.

As duas primeiras temporadas apresentaram uma das mais intrigantes séries da década, com roteiros arrojados, produção caprichada e narrativas únicas e provocativas. Na terceira temporada o que vemos é uma bela e notável expansão do universo criado, com uma bela atualizada graças às rápidas mudanças tecnológicas que vivenciamos desde 2011, quando a primeira temporada estreou.

São seis episódios fantásticos e irrepreensíveis, cada um com um estilo próprio, devido à seleção de excelentes roteiristas e talentosos diretores para cada capítulo. Falarei sobre eles um a um (sem spoilers, embora eu precise contar alguns elementos da trama para comentar):

3×01 | Perdedor (Nosedive)

Estrelado por Bryce Dallas Howard (Jurassic World), Nosedive é “o” episódio-chave desta temporada e o que com certeza será o mais comentado, pois todo mundo invariavelmente vai se ver ali em algum nível. Escrito pela inusitada dupla Mike Schur (Parks and Recreation) e Rashida Jones (Angie Tribeca), o capítulo é um mergulho intenso e preocupante no que as redes sociais podem ser capazes de fazer com a nossa sociedade. Lacie é uma jovem que vive em função de obter “likes” em seu perfil e faz da sua rotina – que envolve um registro fotográfico de absolutamente tudo – uma obsessão na desesperada tentativa de “subir” no ranking do aplicativo que intervém e  controla praticamente todas as interações entre humanos, criando um sistema “meritocrático” onde os mais bem avaliados são os mais bem-sucedidos. Apesar de absurdamente distópico, Nosedive sinaliza com um grande alerta o rumo que estamos tomando.

3×02 | Versão de Testes (Playtest)

Playtest é uma divertida análise sobre a tecnologia empregada para a diversão, assim como a exploração do quão além nós somos capazes de ir para conseguir escapar alguns minutos da realidade. Aqui Cooper (Wyatt Russel) é um viajante que, na última perna de sua viagem em Londres, decide se submeter a testes de uma nova plataforma de Realidade Virtual, que usa implantes. Numa época em que precisamos tomar cuidado com celulares novos que explodem, o episódio levanta questões sérias sobre o nível de poder, controle e responsabilidade que grandes corporações e fabricantes de tecnologia possuem sobre as nossas vidas. Dirigido pelo competente Dan Trachtenberg (Rua Cloverfield 10), Playtest é dotado de recursos narrativos complexos, ao mesmo tempo em que retrata o sonho e pesadelo de todos os gamers desse mundo.

3×03 | Cala a Boca e Dança (Shut Up and Dance)

Este capítulo é provavelmente o “menos” distópico de todos, já que todas as situações apresentadas são perfeitamente possíveis de acontecer hoje. Outro dia vi uma foto da mesa de Mark Zuckerberg com uma fita isolante tapando a câmera de seu notebook. Paranoia? Shut Up and Dance mostra que não.  Privacidade é o tema da vez, quando Kenny (Alex Lawter) se vê vítima de uma intensa chantagem virtual e é coagido a fazer diversas “tarefas” para que seu segredo não seja revelado. Ele logo descobre que existem outros na mesma situação. Competente, o diretor James Watkins aqui emprega sempre a “câmera na mão” e cortes rápidos para mostrar a sensação de urgência e desespero daqueles personagens. A “reviravolta”, aqui, mostra como o ponto de vista é relevante ao se contar uma história.

3×04 | San. Junipero

Eu recomendaria este como o cartão de visita para a nova temporada de Black Mirror (ele foi o primeiro enviado para avaliação lá em julho durante o TCA). O episódio conta a história de duas mulheres que se encontram e acabam se apaixonando, mas aparentemente isso ocorre ao longo de várias décadas e elas não envelhecem um dia sequer. Cuidadoso, o capítulo – pela primeira vez ambientado no continente norte-americano – avança na aparentemente absurda história trazendo apenas algumas dicas do que realmente está acontecendo aqui e ali, permitindo que cada espectador tenha o seu “momento” de revelação. O meu foi na cena montada com as trocas de roupas de uma das protagonistas, que lembra algo muito familiar… O tema do capítulo, então, está muito em evidência e traz uma sensação de conforto e desespero ao mesmo tempo. Você gostaria de ir a San Junipero? Pense muito bem na resposta…

3×05 | Engenharia Reversa (Men Against Fire)

Com Michael Kelly (House of Cards) este desconcertante Men Against Fire é certamente o mais pesado de todos os capítulos desta temporada de Black Mirror, pois mostra as consequências do uso da tecnologia para fins militares. Sem entrar muito na revelação do episódio – que é ao mesmo tempo chocante e brilhante, embora demore para entregar sua resolução – o que posso dizer é que o exercício feito aqui diz muito sobre até onde o ser-humano é capaz de chegar por dinheiro e, é claro, por poder. Tecnicamente um dos mais impressionantes e inventivos graças às caprichadas cenas de batalha e às tecnologias não-bélicas empregadas na guerra moderna, mas que são tão ou mais mortais e devastadoras quanto o fogo e a pólvora.

3×06 | Odiados Pela Nação (Hated in the Nation)

De longe o meu episódio favorito em toda a temporada, e um dos melhores e mais grandiosos da série, Hated in the Nation é altamente complexo e o que envolve mais temas – de redes sociais e privacidade à nanotecnologia, crise ambiental e vigilantismo. Lembram quando uma mulher chamada Justine Sacco postou um comentário irônico ao viajar e quando aterrissou já havia se tornado uma das pessoas mais odiadas do planeta? Então. Digamos que o capítulo trata da investigação de diversas mortes envolvendo uma versão avançada do Twitter pelas policiais Karin Parke e sua parceira Blue, mas com variáveis interessantíssimas como um grande enxame de abelhas, digamos, “modificadas” (abelhas estão em extinção em nosso mundo, e no de Black Mirror já foram extintas). Além disso, Hated in the Nation discute o “social media shaming” tão comum nos dias de hoje e que evidencia que nas redes sociais primeiro se atira pra depois descobrir o motivo.

Black Mirror trata de todos os temas apresentados com uma profundidade e uma visão peculiar, mas em episódios extremamente competentes naquilo que se propõem. A série é uma necessária “bronca” que mostra que a tecnologia precisa existir para servir o homem e não escravizá-lo. Esta é uma das melhores séries da década seja na sua temática sempre atual, relevante e instigante, seja na qualidade de seus interpretes, roteiristas e diretores.

Se você ainda não começou a assistir esta série, corrija esse erro agora, veja as duas primeiras temporadas e o especial (com Jon Hamm) e corra pra esta maravilhosa temporada.

5stars

7 comments

  1. *Mark Zuckerberg

    “(…) a tecnologia precisa existir para servir o homem e não escravizá-lo ou, até mesmo (???).”

  2. “Hated in the Nation” tornou-se meu episódio favorito não apenas da temporada, como da série toda também, e entrou no meu Top 10 dentre todas as séries que acompanho. E a temporada em si, maravilhosa. Nenhum episódio fraco (como Black Mirror bem sabe fazer, sempre com episódios acima da média) e histórias, roteiros e atuações espetaculares. Já quero a 4ª temporada o quanto antes!

  3. Por favor, explica o “algo muito familiar”, fiquei curiosa. [sobre San Junipero]

  4. Tb quero saber. Revi a cenas algumas vezes pra ver se entendia o que quis dizer :)

  5. Saquei. Mesmo que a montagem não precisasse mostrar ela trocando a roupa, obviamente, aquilo ali não é filme adolescente dos anos 80, onde facilmente aceitaríamos tal sequência como real. Beleza, ótima observação!

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