sexta-feira, abril 19 2024

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Após o confronto com Smaug na montanha, Bilbo e os anões precisam enfrentar a fúria do dragão contra Esgaroth e o subsequente quebra-pau generalizado entre elfos, anões, humanos, orcs, enfim, CGIs em geral. Enquanto isso, coisas dramáticas acontecem sem fazer lá muito sentido – e olha que estamos falando de um universo onde o Legolas consegue escalar o ar.

Sendo o ato final de uma única e grande história (no sentido de comprida. Extensa. Quilométrica), The Hobbit: The Battle of Five Armies (O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos) é repleto de coisas grandiosas e eventos definitivos. Mas também paga os pecados da preparação ruim dos filmes anteriores e não consegue envolver o espectador em nenhum momento, além de fazer o seu papel para sugar a graça de tudo ao investir em clichês, situações óbvias e dramas rasos. O resultado é um filme bonito visualmente, que até empolga em alguns momentos de ação, só que jamais extrai sequer uma gota de emoção da sua trama.

E talvez o maior exemplo dos problemas desta trilogia é que, mesmo após duas produções de três horas terem construído a trama, The Hobbit: The Battle of Five Armies apela para diálogos expositivos para explicar certas coisas (“a vida dele está sendo drenada“, “a força dela está enfraquecendo“, “ele está levando seus melhores guerreiros“) e insere dramas súbitos na tentativa de criar arcos dramáticos (tipo o lance com a mãe do Legolas). Como é que em seis horas de filmes não conseguiram estabelecer esses elementos? Mesmo as situações mostradas anteriormente são resgatadas de forma preguiçosa, como o romance platônico entre Kili e Tauriel, que basicamente é os dois ficarem se olhando com cara de quem está tentando resolver uma equação não-linear enquanto injetam anabolizantes na pieguice através de diálogos como “ele é meu rei, mas não manda no meu coração” (aliás, os diálogos do filme são uma ameaça maior do que qualquer dragão ou orc).

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Além disso, The Hobbit: The Battle of Five Armies faz as personagens mudarem de postura/encerra situações de forma muito rápida (os elfos ajudando os anões, Thorin perdendo a razão, Thorin voltando à razão…), o que enfraquece demais as sequências e confere ao filme uma atmosfera de conversa de elevador (acompanhamos a narrativa, mas não nos importamos realmente com ela). Considerando também que o maniqueísmo corre solto pela produção (os vilões salvando o ouro ao invés das pessoas), a previsibilidade é tão recorrente que já tem área VIP só para ela (“precisamos jogar fora alguma coisa” e o próprio sujeito acaba sendo atirado na água; as incontáveis vezes que alguém é salvo no último segundo) e as cenas de alívio cômico tentam assassinar o humor a facadas (Alfrid é o pior personagem de todos os tempos. É sério. Deviam cortar todas as cenas dele – o que deixaria uma ou outra parte da história sem lógica, e ainda assim seria menos pior), dá para concluir que o roteiro foi escrito durante lapsos de sanidade.

Já a parte visual é espetacular, atirando toda sorte de criaturas improváveis na tela e fazendo tudo soar incrivelmente crível. A direção de arte confere personalidade aos figurinos e cenários (as linhas retas do interior da montanha são bem diferentes das estruturas irregulares de Esgaroth, que por sua vez destoa da abordagem pontiaguda daquele lugar onde Gandalf ficou preso como um canário e cujo nome eu não lembro) e os efeitos especiais são de encher os olhos. Peter Jackson aproveita as oportunidades proporcionadas pelos uns e zeros tanto para informar o espectador (os planos aéreos mostram a dimensão dos exércitos) como para criar sequências empolgantes – Smaug atacando a cidade, a parede de escudos dos anões, Bard descendo em uma carroça sem freios e sem piedade, entre outros, são momentos para erguer os braços e gritar “é isso aí!”. A ação no geral é bem coreografada e o diretor deixa claro o que está acontecendo na tela, embora a luta entre Thorin e Azog seja prejudicada pela arma escolhida para o vilão (sério, quem usaria aquilo? É possível prever o golpe com dias de antecedência. Por que ele não largou o troço depois de errar praticamente todas as tentativas? Ele tem uma arma no lugar do braço, pombas!). E Peter Jackson se equivoca ao usar frequentemente uma profundidade de campo curta, tornando o 3D do filme tão desnecessário quanto metade dos anões da companhia de Bilbo e Thorin.

THE HOBBIT: THE BATTLE OF THE FIVE ARMIES

As personagens unidimensionais e o roteiro pouco esperto limitam o elenco, então alguns deles decidiram simplesmente não se esforçar muito: Richard Armitage (Thorin) se resume a olhar de baixo para cima, falar com voz de trovão e ter os cabelos esvoaçados; Ryan Gage (Alfrid) busca abrir ao máximo possível a boca e os olhos; Lee Pace (Thranduil) faz cara de arrogante; e Orlando Bloom faz cara de arrogante do time do bem. Ao menos Martin Freeman tem inocência e naturalidade suficientes para tornar Bilbo alguém palatável, enquanto Luke Evans (Bard) e Aidan  Turner (Kili) dão um pouco de carisma à produção e Evangeline Lilly salva Tauriel ao conferir densidade e intensidade à elfa (além disso, só o fato dela não morrer de vergonha – literalmente – ao falar coisas como “não há amor em você” é o suficiente para confirmar seu talento). Já Ian McKellen surge com a competência habitual, apesar de Gandalf ficar mais relegado ao segundo plano.

Dessa forma, The Hobbit: The Battle of Five Armies encerra a trilogia com cenas grandiosas de descidas de sarrafo, mas sem conseguir atingir nada realmente memorável. Na verdade, parece tão dependente da trilogia The Lord of the Rings que alguns diálogos são repetidos (“nenhum anel do poder deve ser usado levianamente, Bilbo“) e algumas pistas jogadas ali só para as pessoas apontarem e falarem “isso aparece na trilogia do anel!”, pois possuem pouca ou nenhuma relevância na trama (como o colete de mithril usado pelo hobbit) – e inclusive parece existir uma preocupação maior em fazer essa relação do que em desenvolver de forma correta a própria narrativa, uma vez que nunca descobrimos o que acontece com a pedra Arken e a aparição de Beorg junto com as águias (águias são o R2D2 do mundo de Tolkien) não justifica o tempo gasto com a personagem no segundo filme. Ou seja, a impressão geral é a de que a trilogia The Hobbit é simplesmente uma tentativa de capitalizar em torno da trilogia The Lord of the Rings, uma desculpa para atrair o público com personagens que ele já conhece e ama. E, sendo esse o caso, um desfecho anticlimático como este parece mais do que adequado.

2star

2 comments

  1. Não poderia concordar mais.
    A triologia toda é mesmo uma grande decepção.
    Poderia ter sido UM ótimo filme, dois vá lá, com muita boa vontade, mas três? Jamais.
    Peter Jackson queimou todos os créditos que tinha ganhado comigo por LoTR.

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