sexta-feira, abril 19 2024

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Se existe uma coisa que ficou estabelecida de forma irrefutável com essa primeira temporada de Westworld é que o público de séries hoje – tão ligado à Internet e suas muitas redes sociais e fóruns de discussão – está muito mais “treinado” para reagir a produções que envolvem mistérios em sua narrativa. Nesse contexto, pouco importa se a bela série criada pelo casal Nolan/Joy encerra seu primeiro ano com grande parte de suas revelações (mas não todas) confirmando teorias que boa parte dos espectadores já antecipara semanas antes (exemplos aqui e aqui). Afinal, se por um lado nós estamos mais preparados para juntar peças de um quebra cabeça ou para prever que tipo de movimento será feito com a peça X, Y ou Z, por outro nada nos prepara efetivamente para prever que tipos de surpresas bons roteiristas ainda podem nos dar com textos que despertem reflexão sobre a natureza humana e suas muitas emoções. E nesse aspecto especificamente, Westworld fechou sua primeira temporada de forma perfeita.

Sim, é verdade que a confirmação de que William e o Homem de Preto eram a mesma pessoa talvez tenha levado mais tempo do que o necessário para ocorrer (e a última tentativa de Jonathan Nolan para criar a ilusão de que William iria salvar Dolores foi uma pista falsa desnecessária àquela altura considerando tudo que o episódio anterior já nos mostrara). Contudo, é inegável que o impacto emocional que a revelação dá a Dolores justifica a decisão de Nolan nesse aspecto, já que o sofrimento, como fica estabelecido num diálogo de Ford com Bernard, era a chave criada por Arnold para o despertar de consciência dos anfitriões. E nesse contexto nada “melhor” para Dolores que o choque da descoberta de que a paixão do passado se transformara justamente no homem que lhe trazia a lembrança de tantos traumas vividos em seus loops para colocá-la em modo Exterminadora do Futuro e que rendeu uma bela sequência dentro e fora da igreja.

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E o aspecto mais importante daquilo ali não foi nem a impressionante luta corporal entre Dolores e William, mas sim o fato de que o poderoso chefão da Delos pôde finalmente perceber quão tola foi sua jornada de anos em busca do labirinto que, como Ford já o avisara anteriormente, “não fora feito pra ele”. E com essa ideia em mente, é curioso notar como mesmo depois de levar aquele tiro no final, ele ainda foi capaz de sorrir maravilhado com a ascensão dos anfitriões, já que aquilo era a realização de tudo que ele sempre buscou no parque: ter a chance de experimentar um perigo real e de ver seres que antes estavam fadados a sempre jogarem para perder finalmente entrando em campo com uma motivação efetiva de subjugar seus oponentes.

Nesse sentido, aliás, é interessante perceber como no fim das contas, os dois personagens com nuances mais vilanescas na trama (Ford e o Homem de Preto) queriam, ainda que por motivos diferentes, coisas basicamente iguais: a liberdade dos anfitriões para que abraçassem suas consciências. E se a jornada de Ford em busca de redenção (se é que dá para encará-la assim) vem cercada de aspas, ela também faz jus a todo o desenvolvimento que o personagem tão ricamente interpretado por Anthony Hopkins teve, visto que ao longo dos nove episódios que antecederam esse season finale sempre foi notória a admiração que ele tinha por criações com Arnold em oposição ao desdém que nutria pelos outros humanos presentes no parque.

E se a sequência de acontecimentos relacionadas ao intenso esforço de fuga de Maeve, com direito àquelas boas cenas de ação e gore envolvendo Hector (Rodrigo Santoro) e Armistice (que despertam violentamente à medida em que ouvimos Candy Castle, música que começa com o sugestivo “Vamos tirar nossas máscaras e ficar nus. Vamos nos admirar e quebrar esse encanto maligno”), trouxe a ideia de que exista mais um parque ali (dessa vez o Samurai World!) – algo que encaro mais como um belíssimo easter egg do que como promessa do que poderemos ver na segunda temporada – ela também trouxe aquela que foi uma revelação que cheguei a especular no texto do episódio nove e que explica exatamente porquê Maeve conseguiu atingir aquele estágio de evolução com certa facilidade.

Ford, afinal, estava por trás da nova narrativa de Maeve que então contempla mais uma vez o choque de perceber que nem tudo que ela experimentara até ali fora fruto exclusivo de sua vontade própria de escapar do parque. E com esse conceito, se por um lado foi frustrante para nós deixarmos de ver a personagem de Thandie Newton atingindo a linha final de sua nova programação (que envolveriaa uma saída do parque e poderia nos mostrar como é o mundo fora dali), por outro foi muito interessante ver que a personagem tenha, talvez exercendo o livre arbítrio pela primeira vez em sua vida, optado por voltar pro parque em busca da filha que ela bem sabe que só existiu como parte de uma narrativa inventada, mas cuja ligação emocional é forte demais para que ela simplesmente pudesse ignorar.

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Mas e o que dizer da grande revelação – essa sim inteiramente surpreendente – que surgiu com o que julgávamos ser a princípio o ato final de Dolores e Teddy em suas buscas pela liberdade? Sim, é indiscutível que a mise en scène que nos levou até aquele momento (antecedida por um monte de frases expositivas) veio cercada de pequenas cafonices (“Algum dia encontraremos o caminho para um novo mundo. Talvez esse seja apenas o começo. O começo de um novo capítulo”, disse Teddy), mas quando as luzes se acendem na praia revelando o “palco” de teatro com o corpo executivo da Delos servindo de público espectador, a coisa muda de figura, já que a surpresa ali foi genuína abrindo caminho para que a caótica nova narrativa de Ford finalmente fosse revelada assim como seus reais objetivos.

Caos, aliás, é o que o casal Jonathan Nolan e Lisa Joy sinaliza como principal característica a ser explorada no segundo ano da série que certamente trará uma mudança brutal em seu status quo a partir do momento em que os minutos finais da temporada revelam que o personagem que julgávamos ser o principal opressor dos anfitriões sacrifica-se (será que era o Ford ali mesmo ou só uma cópia sua?) para assumir então uma posição de libertador deles, no que foi sem dúvida a grande surpresa que poucos (para não dizer ninguém) esperavam ver no fechamento desse impactante episódio intitulado Bicameral Mind.

E se não resta dúvida que a saída(?) do excelente Anthony Hopkins de Westworld será sentida no segundo ano da série, as perspectivas que o embate real entre humanos e inteligências artificiais agora despertas traz, aliado à necessidade de adaptação que Dolores, Maeve, Bernard e cia terão ao encararem o dilema do que fazer com a liberdade conquistada, representam um panorama promissor para o que veremos em 2018 com uma temporada nova focada na ideia do “Pague para entrar e reze para sair” mescladas a mais discussões filosóficas e existenciais que sejam tão significativas e relevantes quanto as que esse sólido primeiro ano nos deu.

5stars

21 comments

  1. Como amo vocês, depois de assistir um o final perfeito nada melhor do que ler a crítica perfeita para colocar as idéias no lugar.

  2. Olá, excelente review!
    Adorei a season finale, respondeu a maioria das perguntas, mas ainda deixou um gostinho de quero mais.
    Nunca passou pela minha cabeça que essa nova jornada da Dolores fosse a nova narrativa do Ford…
    Aguardo para a 2 temporada, infelizmente apenas em 2018.

  3. Ainda estou impactada positivamente pela a série. Excelente resenha!

  4. Acompanho o Davi Garcia desde os tempos de Lost, seu blog e quando ainda fazia os Encontros Lost Salvador (bons tempos)…fico feliz de depois de tantos anos, acompanhar com gratidão seus textos, regados de excelente análise e sensibilidade…parabéns meu caro!

    Sobre Westworld, acabei de assistir ao último episódio e estou sem ar, vim ler o texto e estou tendo orgasmos multiplos, hahahaha..que venha o segundo ano da série!

    Ah, compartilho da teoria de que seja uma cópia do Ford. Lembram que na sua sala secreta havia um personagem sendo desenhado em moldes antigos e que até hj não foi revelado quem é?

  5. No episódio em que o Bernard mata a diretora aparece, naquela mesma sala, um anfitrião sendo feito. Eu acho bem provável que seja uma copia do Ford, que levou o tirou no lugar dele.

  6. Quem não sabe interpretar uma frase é retardado. Abraços.

  7. Sim, exatamente, já entendi que vc é, mas sou a favor da inclusão de pessoas assim como vc. Abraços.

  8. Sua frase não faz sentido algum, pois quem interpretou “Achei essa série boa, mas nada além de disso” como “Não gosto da série” foi você…

  9. Oi Davi.
    Eu já Revi duas vezes o final,, e notei que na cena que Dolores esta sendo restaurada por Ford,o Bernard esta junto,mas não sabemos se Ford,já tinha deixado instruções com Bernard sobre o andamento dos anfitriões na nova narrativa.
    Final divino,vi a maratona e digo foi a melhor surpresa de 2016.
    Amei todas a suas reviews,e espero um texto com novas teorias,pois a historia do despertar da Maeve esta bem dúbia,eu acho que o Arnold tem alguem como um irmão, filho que tem acesso ao parque e suas informações.
    O que vc acha?

  10. Duvido que Ford foi para além.
    (Pode ser pela idade e pelo $$)
    Fora isso é ruim em
    Facilmente poderia ser um humanoid…..
    E quem diabos estava dando permissão para ter rebelião????

  11. Adorei a serie, gostei muito da parte filosofica e tal, mas fiquei mas achei a coisa meio vazia … Uma tragetória que no final não deu em nada …. Ai tacaram o final surpreendente … Foi uma evolução muito lenta para uma primeira temporada … Mas valeu a pena !!!!

  12. Excelente texto, como sempre.

    Quanto a série tem uma premissa interessante que foi muito bem executada graças aos ótimos roteiro e direção. Porém, ao menos para mim, não passou de um bom começo, já que infelizmente não senti empatia por nenhum dos personagens em tela. Assisti a temporada mais pela curiosidade sobre as reviravoltas do que por necessariamente torcer por alguém daquele mundo, e antes que digam, sim para mim isso é importante. Sinceramente, se na próxima temporada substituíssem todo o elenco e apresentassem um novo parque não faria muita diferença. Portanto, nada de incrível, apenas ok.

  13. Olha, eu não serei capaz de lidar com uma Season 2 sem o Hopkins não. Por favor produção.

    Mas fora isso, estou me tremendo todo com esse Finale. FOI IMPECÁVEL!

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