quarta-feira, abril 24 2024

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[com spoilers do 2×10] Foi uma ótima temporada. The Leftovers nos presenteou com grandes momentos e grandes episódios, como Orange Sticker e Lens – entretanto, mesmo nos tempos de bonança, parecia haver um planejamento meio com déficit de atenção nas tramas, como se os realizadores fossem simplesmente escrevendo tudo sem se preocupar com o tempo e, no final, percebessem que precisam condensar muita coisa em poucas páginas de roteiro. I Live Here Now, o season finale desta segunda temporada, deixa isso bem claro ao investir em soluções que não se acertam muito com o que foi construído até aqui, embore funcione em momentos pontuais e às vezes tenha até mesmo lampejos de brilhantismo.

Um dos grandes problemas é que, com exceção de Kevin e Meg, ficamos dois episódios sem saber o que estava se passando com as pessoas, e quando I Live Here Now resgata essas personagens, o faz em parte de forma pontual e artificial. Não acompanhamos as motivações de Nora para abandonar Kevin, não vimos Jill e Laurie se confrontarem, ninguém sabe a quantas anda a instável residência dos Murphy. E daí o season finale vem com sequências insossas e óbvias tentar retomar as tramas para criar drama no desfecho (Nora quebrando o aparelho de som, Jill ofendendo Laurie, Michael contando a história na igreja), optando por citar tais eventos de forma automática para que o episódio siga em frente, mas sem investir de fato no que está acontecendo. É como se tivéssemos chegado nessas histórias tarde da noite e tivéssemos que engolir elas requentadas, pois àquela altura o grande banquete já havia acontecido.

O próprio arco dramático de Kevin é enfraquecido no final graças ao bate-e-volta que faz no mundo dos mortos, e olha que estou me referindo a uma personagem que literalmente cavou seu caminho de volta à vida e levou um tiro. Toda a expectativa de que o protagonista voltou àquele pesadelo de hotel é desmembrada pela facilidade com que o mesmo retorna, algo que a própria série admite ser estúpido (em um diálogo no bar) e tenta fingir ser menos estúpido ao admitir que é estúpido. É incrível pensar que o sofrimento dele em A Most Powerful Adversary é infinitamente mais palpável e nenhuma bala atravesse seu corpo, o que prova a eficiência da construção do sétimo episódio frente ao season finale. Não vou comentar sobre o arco dramático de Meg porque, assim como a temporada havia feito até Ten Thirteen, é algo completamente ignorado aqui.

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E não deixa de ser um pouco frustrante ver que I Live Here Now abdica de conflitos psicológicos em prol da ação: logo fica bem claro que a tal da bomba não existe, mas a invasão e a subsquente transformação de Jarden em uma cidade pós-apocalíptica claramente desejam levar ao extremo as consequências do marketing de guerrilha dos Remanescentes Culpados, quando apenas a aparição de Evie e das outras meninas e a conversão delas ao mudismo já seriam fatores chocantes o suficiente. A impressão é a de que os realizadores precisavam de um final grandioso, apoteótico, algo que exigisse um grande comprometimento por parte do orçamento para gastar em coisas destruídas. No final das contas, em termos de história, a coisa acaba muito parecida com o final da primeira temporada, onde Mapleton descamba para o caos e Kevin supera dificuldades para “reencontrar uma família”, mas sem causar tanto impacto, pois aqui o gatilho do povo de branco não atinge o mesmo nível de demência.

Por outro lado, em diversos momentos pontuais o season finale mostra que The Leftovers ainda sabe como sacudir as coisas. Ver a alegria de Matt com o retorno de Mary é quase tão envolvente quanto as cenas em que John e Kevin trocam tiros e curativos, encontrando nessa montanha-russa de milagres uma cumplicidade inesperada. Aliás, a instabilidade do bombeiro, construída ao longo dos episódios, é responsável por uma tensão das boas quando ele descobre a respeito da impressão digital e e mostra que, quando tem espaço para respirar, a série sabe usar as pistas jogadas anteriormente para trabalhar tanto a história quanto as personagens (o presente dado por Evie também consegue fazer jus às expectativas criadas).

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Além disso, I Live Here Now é um episódio desulmbrante. Da endiabrada elipse que vai de um terremoto a Kevin saindo desse grande útero que é o chão até o plano das meninas descendo do trailer (uma elegante câmera lenta no nível do chão), cada cena parece decupada e fotografada com o que só pode ser definido como muito amor. Dá para se regozijar com o plano aéreo quando Matt sobe em um trailer ou com a fotografia azulada na cara de Kevin durante a canção, conferindo a ele uma iluminação fria, sóbria, como se o ex-policial já fosse de fato um ex-vivo. A trilha se mantém impactante e sem exageros (minha favorita continua sendo Where is My Mind ao piano) e o elenco se entrega aos papéis como se não houvesse amanhã, aproveitando cada oportunidade para remediar o roteiro ao tornar as personagens um pouco menos esquemáticas.

Os dois grandes momentos, entretanto, são a cena em que Erika corre para abraçar a filha na ponte, o pináculo de emoção da temporada inteira e um 7 a 1 por parte da diretora Mimi Leder em termos de fazer o coração do espectador bater mais rápido (é uma aula de mise-en-scène, atuação e montagem. É também o passaporte de Regina King para qualquer premiação); e a belíssima panorâmica no final, quando finalmente, apesar dos percalços e do roteiro, Kevin encontra todos juntos e há uma sensação de que estão todos no mesmo lugar – tanto fisicamente quanto psicologicamente e, vá lá, espiritualmente. Por mais que The Leftovers tenha tropeçado nesses dois últimos episódios, é impossível ficar indiferente a um desfecho desses. E o fato de ter acontecido logo após um terremoto – lembrando que foi um terremoto que salvou a vida de Kevin no lago, que fez Mary voltar a falar e que fez o protagonista retornar do hotel/purgatório pela primeira vez, ou seja, um provocador de milagres – adiciona uma nova camada de significado ao lindo plano final.

3star

25 comments

  1. “Não acompanhamos as motivações de Nora para abandonar Kevin (não precisa de grandes explicações, o cara tava louco, vou sair daqui com a minha filha, dar um tempo, pensar e depois voltar, como aconteceu), não vimos Jill e Laurie se confrontarem (vimos sim, mas nao necessariamente precisa ser tão longo, tem tempo e aconteceu depois), ninguém sabe a quantas anda a instável residência dos Murphy” Cara, a grande pergunta pra várias coisas que vc questionou é “E DAI?” Por que eles tem que fazer do jeito que vc acha melhor? Não acompanhamos os Murphy direito durante vários outros episódios. Não precisa tá mostrando toda hora.

    “ficamos dois episódios sem saber o que estava se passando com as pessoas” e dai (again)? Primeiro que os acontecimentos do 7 e 8 foram num curto espaço de tempo e precisam de atenção. Se ficasse pulando para as tramas do pessoal na cidade ia perder a força do que foi feito com o Kevin.

    “com sequências insossas e óbvias tentar retomar as tramas para criar drama no desfecho” não, não é criar drama no desfecho é simplesmente seguir com a história ‘-‘

    “arco dramático de Meg porque, assim como a temporada havia feito até Ten Thirteen, é algo completamente ignorado aqui.” cara, só com o episódio 9 da pra entender tudo que ela quer fazer, não precisa mais de grandes explicações, ela conseguiu tudo que tinha planejado, queria mais oq? o.O

    Sobre o parágrafo depois da imagem: a invasão foi uma metafora com o pecado entrando no Jarden (Jardim do Éden).

    Eu interpretei o terremoto como um renascimento de algo. Kevin renasceu todas as vezes que ele aconteceu e no final o renascimento da família.
    Pra fechar, belo último parágrafo, a cena com Regina King foi maravilhosa.

  2. Sei que vcs gostam dessa serie, mas queremos ver vcs falarem de outras series tambem, como por exemplo, homeland, into the badlands, the last kingdom, e varias outras. Vcs so falam dessa serie agora

  3. Concordo com a superficialidade dos arcos de algumas personagens, principalmente o conflito entre Jill e Laurie, mas de qualquer forma gostei muito desta temporada, a maneira como conduziu a jornada de Kevin, indiferente, cético e perturbado… até o equilibro em que todo o ser humano busca, mesmo que inconscientemente para alguns… “A família é o que realmente importa!”… e será que a valorizamos o suficiente?

  4. Não gostei da sua crítica…
    Achei uma aposta diferente em fazer essa “pausa” com dois episódios e depois retornar com o máximo de informação e tratamento de choque em quem acompanha a série hahahha.
    The Leftovers é sem dúvidas a melhor série que eu assisti (e tenho uma lista grande).
    Faltou você observar a ligação do primeiro episódio ( o início com a família na caverna) com o último… Mas mesmo assim bela análise!

  5. qual ligação vc constatou com o primeiro e o ultimo ep?

  6. Também detestei. Mas o reviewer não entendeu a série. Isto é claro.
    Se vc quiser, te recomendo uma excelente.

  7. Também achei o ritmo meio acelerado, mas gostei muito do desfecho

  8. The Leftovers nao satisfez minhas expectativas. Por mais que eu admire o trabalho de Lindelof em Lost, e reconheça que sao bons atores e roteiros, a serie tinha que ser algo mais do que simplesmente “analisar o comportamento das pessoas diante de um fato inexplicavel”. Ao final dessa 2a temporada, sinto que a serie é como um cachorro que corre atrás do proprio rabo. O final foi praticamente igual ao da 1a temporada. Um imenso blefe! Um pastel de vento.

    Nao faço questao que seja renovada e sinceramente, se for, nao sei se continuarei nesse barco. Acho ate que ficou um final muito bom pra ser cancelada. Incrivel como essa 2a temporada conseguiu apagar o pouco brilho deixado pela 1a, a começar pela chatissima abertura. “Let the mistery be…” de cu é rola!

  9. Pena que você não entendeu a série…
    E a música
    E a 1 temporada

  10. Pelo contrario, amigo. Foi por entender a serie que me desencantei. Questao de gosto ;)

  11. Inacreditável Regina King não ser indicada a nenhum Globo de Ouro. Em Orange Sticker e no último episódio ela foi um show a parte!

  12. Foi um ponto muito bacana da review. Todos os episódios foram muito profundos. Esse foi muito raso. Mas podemos pensar em uma construção para o momento final. De qualquer maneira, ainda tem muita história para uma terceira temporada!

  13. Também não entendi a ligação. E assisti cada episódio umas dez vezes!

  14. Foi uma das melhores reviews que li. Esse episódio, realmente, não foi o melhor nem o ápice da terceira temporada. Vá Pensiero!

  15. Tem chance de ser indicada noGlobo de Ouro seguinte, pois creio que esta atuação não seja elegível para esta edição do Globo de Ouro

  16. Eu também achava. Mas American Horror Story não terminou e Lady Gaga foi indicada!

  17. Eu discordo de você só numa coisa a Nora tinha sim motivos para largar o Kevin, tente dormir com um cara na situação dele?! No início ela foi muito compreensiva, uma grande companheira. Era natural que uma hora ela perdesse a paciência, pois ninguém é de ferro e santa – vi o afastamento dela por esse ângulo. Acho que separar dele a tornou humana. Inclusive na primeira temporada ela já ia fazer isso, só não fez por causa de ter achado o bebê lembra?
    No mais concordo com vc e também gostei muito do último episódio. Chorei com a cena de Nora e a bebê na ponte foi simplesmente lindo como a câmera se movimentou quando ela foi atrás da mulher que pegou a bebê…

  18. Tb adorei essa cena do bebê. Foi a que me deixou na ponta do sofá.

  19. Eu queria ter visto o Kevin cantando “Like a Prayer”… hahaha..

    Fim de temporada muito bom! Não diria perfeito, mas valeu MUITO! Que venha a terceira e derradeira temporada.

  20. Pare mano. Se quer tudo explicadinho. Se o grande evento não foi explicado, se não é explicado pq os RC andam de branco e fumam, porque vão explicar o pq a Nora deixou o Kevin. Quer muita coisinha pra uma série que não se propõe a isso.

  21. Eu também percebi a ligação. Os Garveys estavam todos dentro da casa, igual a família da mulher das cavernas, durante o terremoto, achei que do mesmo modo que a mulher das cavernas perdeu a família após o terremoto o Kevin também perderia (ou ficaria o cliff para a próxima temporada não mostrando que estava na casa), acho que aproveitei bem mais a cena final, pois tive certeza que a casa tinha desmoronado (tal qual a caverna) e senti o mesmo alívio do Kevin ao ver todos são e salvos.

  22. Eu sou voz dissidente: não gostei da segunda temporada (sim, só terminei de ver hoje, julguem-me).
    Cada vez mais ela foge da ficção e caminha para a “total viagem”. Devia esperar isso de um cara que fez Lost: uma baboseira SEM FIM, literalmente (abro um parênteses aqui para rir de quem diz “você não entendeu” quando você critica uma série…nem eles, os gênios das séries, entenderam esse final de Lost).
    Pra mim, The Leftovers já começou errado trocando a música-tema da primeira temporada por um bluegrass, meio country, brega e caipira.
    Concordo com o review: vários capítulos dispersos pra acabar com essa mesmice.
    Pensando seriamente em abandonar a série…não quero acompanhar por cinco ou seis temporadas, igual a um palhaço, e no final me deparar com NADA…ou melhor…com um “faça o seu próprio final”.

  23. Essa série deveria ter terminado na primeira temporada, pois essa é a correspondência com o livro.
    Quem pediu uma segunda temporada foram os seguidores. Então foi preciso inventar uma nova história e uma nova cidade.
    Assim como será feito novamente para a terceira temporada.
    O assunto se esgotou. Haverá uma terceira cidade?
    Pelos menos poderiam fazer o favor de não voltar com aquela personagem dos RC que encheu a paciência do Kevin o tempo todo e também a daqueles que acompanharam as duas temporadas.
    Acho também que aceleram muito o último episódio e muita coisa ficou no ar.

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