quinta-feira, abril 18 2024

FURY ROAD

Críticos de cinema odeiam blockbusters. Eles se regozijam com filmes franceses(?), produções obscuras, obras que não fazem sentido e adoram falar mal dos filmes que o resto da galera curte para parecerem inteligentes. Eles pensam que os blockbusters precisam ser tratados de moral, ética, filosofia e Foucault e não conseguem entender que o propósito dos blockbusters é apenas diversão e entretenimento.

Em geral, é esse tipo de discurso que jorra quando algum crítico faz alguma crítica ruim de um filme que teve 40% do orçamento despejado no marketing e todo mundo foi assistir. É o argumento padrão e, vejam que coisa, não é verdade. Só olhar aqui no Ligado em Série mesmo: entre diferentes críticos, demos cinco estrelas para Mad Max: Fury Road, The Hunger Games: Catching Fire, The Hunger Games: Mockingjay – Part 1, Guardians of the Galaxy, Avengers: Age of Ultron e X-Men: Days of Future Past, e olha que isso surge de uma pesquisa rápida.

O que acontece é que, como em todos os tipos de filmes, há blockbusters bons e blockbusters ruins. Por isso, decidi separar aqui alguns aspectos que costumam ester presentes nos primeiros e que, espero, joguem um pouco de luz sobre porque alguns funcionam e outros não. Usarei como fio condutor Mad Max: Fury Road – a ótima crítica do Bruno já diz tudo sobre o filme, mas, como é o maior blockbuster do ano até aqui e tem um cara tocando uma guitarra que dispara fogo , citar essa insana quarta incursão na franquia é sempre pertinente.

No geral, acredito que os elementos mais salientes que dividem as safras blockbusterianas são os seguintes:

Honestidade

mad max

Mad Max: Fury Road é um filme de ação. Claro, tem um viés feminista, tem críticas ao consumo desenfreado, à religião e ao ato de passar líquido metálico na boca, mas desde o início se assume como uma produção de explosões e quebra-pau descontrolado. Ao contrário do tradicional discurso citado no início do texto, o problema de muitos blockbusters é justamente que eles não são simples e descompromissados; tentam adicionar dramas superficiais, reviravoltas absurdas, piadas fora de hora e toda sorte de cenas que destoam da produção apenas porque algum manual de roteiro diz que é preciso – Jurassic World, por exemplo, tem uma cena onde se fala de divórcio que não faz absolutamente nenhuma diferença na história, surgindo provavelmente porque algum produtor leu em algum lugar que a personagem precisava de um drama.

Do outro lado, uma produção como Dredd usa quinze minutos para posicionar os elementos-chave da trama, fecha os protagonistas em um prédio e daí é só pancadaria e frases de efeito. E funciona porque Dredd se assume dessa forma. Não tenta incluir alguma cena emocional destoante para agradar alguns grupos focais que reagiram bem a uma cena emocional em um filme. Guardians of the Galaxy não abandona seu espírito fanfarrão nas cenas mais “pesadas”. Toy Story não força romances no meio da aventura. Wedding Crashers não desvia a trama para incluir uma lição de moral que soaria falsa. São filmes pipoca que se assumem como tal, sem a pretensão de ser algo maior ou mais complexo, e essa honestidade ecoa no público como uma virtude. O problema é que a maioria dos blockbusters faz exatamente o contrário: tenta fugir do rótulo de superficial adicionando algumas cenas, olhem a ironia, superficiais, e não conseguem funcionar nem como uma coisa nem como outra.

Investir tempo e esforço nos efeitos e na ação

mad max 2

A série Transformers é um bom exemplo de blockbuster que vende como diferencial os efeitos (robôs, explosões, escala de destruição) e a pancadaria. Pois bem: pense em todos os filmes dos Transformers que você viu e tente lembrar de uma cena de ação. Uma só. Umazinha qualquer, vá. Difícil, né? Porque Michael Bay e seus robóticos amestrados se injetaram tanto CGI que não conseguem decupar as cenas de ação, achando que baste ser algo grande e feito por computador para tornar a cena legal. O resultado é que a ação é pífia, a história é pífia, os efeitos especiais são pífios (no sentido de que são mal aproveitados; o filme não cria nada memorável com eles) e a produção acaba sendo pífia também.

Com, sei lá, 15 ou 20 minutos de Mad Max: Fury Road já temos uma frota de caminhões e carros em uma tempestade de areia com tornados de areia e pessoas voando em planos longos (além do tradicional SUJEITO TOCANDO GUITARRA DE FOGO), e é tipo a primeira cena de ação do filme. É a cena de ação pequena, menor, caçula, que fatalmente é superada pelas cenas posteriores. Porque os realizadores sabiam que a ação era um dos diferenciais e se preocuparam em criar sequências realmente impressionantes, que fugissem do lugar comum e varressem a mente do público. E blockbusters bons fazem isso. No segundo e terceiro Pirates of the Caribbean, temos uma luta em uma roda e uma contenda entre dois navios dentro de um redemoinho, respectivamente. Em Inception, há a pancadaria giratória no hotel. Em Spider-Man 2, o cabeça-de-teia e o Dr. Octopus protagonizam um combate de proporções descontroladas no trem. Além disso, a utilização dos efeitos para a construção de momentos/criaturas épicas também marca um blockbuster – seja o Gollum digital da trilogia The Lord of the Rings ou o Davy Jones de Pirates of the Caribbean ou até mesmo algo como os efeitos incríveis de Cloverfield (que desmontam Manhattan como se fosse um conjunto de Lego e sempre soam críveis e incríveis).

Personagens marcantes

mad max 3

Não, um blockbuster não precisa se aprofundar na alma humana e criar tratados tchekovísticos sobre a existência e a rotina e as pequenas e grandes coisas. Mas precisa, sim, de personagens marcantes. Precisa existir um motivo para o público investir nelas e compreender a importância da aventura – e não é necessário tornar tudo muito complexo e tridimensional, apenas gastar um pouco de tempo pensando em um como tornar aquela personagem uma figura que vai causar algum impacto no espectador. Mad Max: Fury Road faz isso tanto na parte visual (a aparência e a mão de Furiosa, a máscara do Immortan Joe, o impecável branco das filhas contrastando com o mundo árido) quanto nas motivações (Max constantemente vê uma aparição da filha).

Não é o que acontece em diversos blockbusters, que jogam uma ou duas cenas “dramáticas” e acham que isso é o suficiente para diferenciar as personagens. Assim, em coisas como Jurassic World, a trilogia The Hobbit, Furious 7, Teenage Mutant Ninja Turtles e ouras atrocidades, o espectador acaba a) confundindo quem está em cena e b) percebendo que aquela pessoa destoa da ambientação colossal onde foi colocada. Quando Thorin entra no quebra-pau contra aquele Voldemort recauchutado em The Battle of Five Armies, o tom épico que a narrativa tenta assumir entra pelo cano porque Thorin é um qualquer, um metaleiro de meio metro de altura que nunca fez nada para olharmos o confronto com expectativa. Quando os dinossauros partem para a pancadaria ao final de Jurassic World, aquele grupo de pessoas ali faz tanta diferença quanto a série Gotham. Cada um deles é uma pessoa qualquer e não parece pertencer àquela situação incrível. Para o público, tanto faz se estão ali ou não.

Para efeitos de comparação, é só pegar um The Avengers qualquer e perceber que já começamos a criar uma expectativa quando o Dr. Banner inicia seu processo de ficar verde e destruidor. Ou imaginar como o Dr. Henry Jones vai resolver a situação com o avião em Indiana Jones and The Last Crusade. Ou segurar a respiração quando Batman e Coringa finalmente ficam  cara a cara em The Dark Knight. Diabos, assista a Star Wars: A New Hope e veja como a primeira aparição de Darth Vader é impactante o suficiente para mostrar que, quando ele entra em algum lugar, todo mundo fica quieto ou no máximo solta um “fudeu”. Ao contrário dos Transformers da vida, esses blockbusters não deixam o espectador apático; criam personagens marcates que provocam o espectador quando estão em cena. Dessa forma, mesmo que o desfecho seja previsível (blockbusters costumam ter finais felizes), acompanhar essas personagens ao longo da jornada é algo que enriquece a narrativa.

Ou seja, blockbusters não são intrinsicamente ruins. Apenas exigem muito investimento, e, para recuperar esse investimento, estúdios costumam apostar no que é seguro, fácil e previsível, deixando o diferencial para o marketing. Não há nada de errado em um filme que se propõe a ser “só entretenimento”, muito pelo contrário, mas isso não é uma licença para que seja uma obra preguiçosa, feita de qualquer jeito, sem um mínimo de sentido em qualquer aspecto. Quando alguém realmente coloca vontade e talento em um blockbuster, o resultado faz jus ao nome.

8 comments

  1. Vingadores 2 não tem nada disso e levou 5 estrelas. Honestidade – foi vendido como um filme bem mais dark do que o produto que chegou nas telas. Personagens marcantes – elenco antigo batendo cartão e das novas adições um só está lá pra criar comoção no final (mas espectador pouco se importa), a outra se tivesse mesmo destino TANTO FAZ…e o Visão não atinge 1% de seu potencial….fora o vilão, extremamente mal desenvolvido, fora ter sido transformado em um piadista. Efeitos e ação – efeitos fruto de pós produção apressada (dubles digitais precários e cenas com zero credibilidade)…fora que as cenas de ação são genéricas e sem criatividade alguma, apenas emula cenas do primeiro, e a batalha final falha miseravelmente em tentar retratar alguma logística de campo e vira um climax apenas barulhento, confuso e cansativo, bem estilo Michael bay. É a antítese do primeiro filme e uma das maiores decepções de 2015..

  2. Excelente texto, um dos melhores que já li no site. Mas concordo com o Eduardo Pinheiro. Vingadores: Era de Ultron não merece as 5 estrelas que vocês deram justamente pelos motivos que você fala neste texto.

  3. Ok, vc tem razão. Mas isso não tira o mérito do texto, que é a mais pura verdade.

  4. Obrigado Eduardo, até que enfim alguém disse que Vingadores é uma merda!!!!!! E pra mim o que fez de Mad Max um filme maravilhoso é justamente a sensação de que todos os personagens lutam pela sua vida e liberdade, independentemente se homens, mulheres, amputados ou não. A clareza na representação dos opressores e dos oprimidos, a desvantagem clara dos oprimidos (faz com torçamos para eles), e o senso de justiça do final, que é algo que realmente falta nos blockbusters atuais.

  5. Outra coisa, guardiões da galáxia é igualmente ruim pra mim, a única diferença é que houve química entre o casal principal. E só!

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